Friday, October 24, 2008

Ser editor, hoje Ler jornal e a revista eletrônica Consultor Jurídico

Meu jornal do jornal

Lendo o Caderno 2 do Estadão de 22 de outubro, especialmente a matéria de Maria Hirszman "Meu trabalho é um grito contra a barbárie", sobre a abertura da exposição das esculturas feitas de árvores incineradas, de Frans Krajcberg, deparei-me no decorrer da entrevista com a frase emblemática, válida para todos nós que vivemos o mundo real, para o qual não se fala em socorro para as empresas, trabalhadores e pessoas que perderão, acossadas em seus direitos, seus projetos, seus empregos, suas jóias, suas casas, seu pão, até suas bijuterias; "Estou confuso, só sei que não se pode viver sem defesa nenhuma" (Frans Krajcberg). É assim que estamos vivendo no mundo real, neste país, sem defesa nenhuma. Sobretudo diante da violência moral. Violência econômica. Tudo dentro de um curto-prazismo arrasador. Daqui uns dias começaremos a cair na clandestinidade alternativa em busca dos valores perdidos.

Recebo também, via e-mail, a revista eletrônica "Consultor Jurídico". Muitos riem porque a leio e a levo a sério. Para dizer porque levo a sério a "Consultor Jurídico" leiam abaixo o artigo do advogado criminalista goiano Manuel Leonilson Bezerra. Vou grifar o que me remeteu ao desabafo de Frans Krajcberg, também meu desabafo (não há defesa diante da legalidade ilegítima, até ouso dizer, diante de um fundamentalismo legal que torna a vida sem lei para os que vivemos no Brasil real). Artistas não são respeitados. Quem se lembrará de socorrer os pequenos e médios empresários, os trabalhadores, nessa crise financeira global? Há muito tempo crise local para o verdadeiro Brasil Real.

Temos que começar com a insurgência da palavra. Quero dá-la a muitos neste espaço, por transcrições ou mesmo serão bem-vindos comentários ou colaboração independente de uma palavra inédita que possa nos ajudar nessa resistência ao horror vigente, o mercenarismo em vez da lealdade. O lobo tudo pode ao acusar o cordeiro. Iterdita-lhe qualquer direito de contestação. O lobo imputa seu próprio pecado ao cordeiro, suja-lhe a água e o acusa. "Estou confuso, só sei que não posso viver sem defesa." Ave, Frans Krajcberg!, não podemos.


Ordem mundial
Crime é a nova forma de funcionamento da sociedade

por Manoel Leonilson Bezerra Rocha

O delito tem-se convertido em uma das formas de funcionamento da sociedade global, e requer a utilização de uma tecnologia de ponta para que tenha êxito. Os delinqüentes das altas esferas utilizam com maestria os meios que a sociedade lhes dispõe para infiltrar-se nas estruturas legais da economia e das finanças mundiais. Nunca vão à prisão ou são condenados. O Estado de Direito, que acreditávamos estar assentado e destinado a avançar ao mesmo ritmo que o crescimento econômico e os avanços tecnológicos, titubeia.
Uma evidência salta aos olhos, ainda que seu enunciado seja um tabu: as finanças modernas e o crime organizado sustentam-se mutuamente. Tanto uma como outro necessitam para expandir-se que se suprimam os regulamentos e os controles estatais. Em 1990, o Gafi, organismo criado pelo G7 para lutar contra a lavagem de dinheiro a nível internacional, fez as primeiras previsões do fluxo financeiro, estimando a cifra de 122 bilhões de dólares o volume total de negócios. Entretanto, há quem avance esta cifra aos 500 bilhões de dólares por ano.
Os mercados ilegais têm muito em comum com o resto das indústrias legais.
Existem compradores e vendedores, majoritários e minoritários, intermediários e distribuidores. Têm uma estrutura de preços, balanças, ganhos e, raramente, perdas. Ocorre uma terrível contaminação de toda a economia.
Estamos, portanto, ante uma mudança de perspectiva. Como existe uma esfera financeira desconectada da economia real, tudo o que ocorre nesse planeta virtual escapa por completo ao estrabismo convergente, ajudado, ademais, por uma forte miopia de policiais, juízes, políticos, banqueiros, empresários. Este universo incorpóreo navega pelos mercados financeiros burlando-se do espaço e do tempo, dos Estados e de suas polícias, do Fisco e de seus juízes. Logo estarão os demais, os honestos sobreviventes, com os meios insuficientes para escapar das duras leis da gravidade dentro da economia e da vida ordinária terrena.
Com os pés no solo, os que vivem no mundo real, e dentro da realidade da vida dura, estes últimos sempre têm quer prestar conta de algo ou têm algo a temer, e a polícia, os políticos ou os juízes, todavia, podem pegá-los. Neste reduzido mundinho, onde sobrevivem os simples mortais, vítimas de um sistema perverso e implacável, a policia persegue aos pequenos delinqüentes.
No grande universo das finanças virtuais, pelo contrário, já não há policiais, e os ladrões são tão e muito mais criminosos que os demais. Entretanto, não há promotores de Justiça com um discurso maniqueísta e simplório para persegui-los e encarcerá-los.
Em quase todo o mundo o processo de lavagem de dinheiro obedece às características muito peculiares. Entretanto, o Brasil, talvez em razão de sua herança político-cultural e acentuada disciplina das camadas mais pobres, oferece algumas características próprias.
Desta forma, existem incontáveis maneiras de lavagem de dinheiro e as mais comuns são aplicação no mercado imobiliário, “apostas” em cassino, apólice de seguros, sentenças judiciais, o empréstimo endossado, a revendedora de carros usados, o “ferro-velho” e, uma das mais bizarras, através de instituições religiosas (igrejas).
É incrivelmente surpreendente como, no Brasil, as instituições religiosas, ou igrejas, prosperam vertiginosamente, superando os setores produtivos que trabalham arduamente. Soa também curioso como é atrativo o poder político aos chamados “pastores”, “bispos”, “apóstolos”, tanto participando ativamente na vida política, quanto em estreita relação com os políticos mais influentes.
Ressalte-se que essa “bênção” não é um privilégio dos mercadores da fé no Brasil. Também na Espanha, na Aldeia Sevilhana de “Palmar de Troya”, despontou, de um simples casebre, um colossal castelo, tendo à frente um indivíduo que se auto-denominou “Papa Gregório” ou o “Papa de Palmar de Troya”. Investigações policiais descobriram que esta Igreja servia para lavagem de dinheiro. Vultosas somas eram “doadas” à igreja e depois era feita a inversão mediante o pagamento de comissão de, em média, vinte por cento.
A lavagem de dinheiro através dos mercados imobiliários, tal qual virou uma praga na cidade litorânea espanhola de Marbella, também constitui uma atrativa forma de despistagem de dinheiro no Brasil.
Como adrede citado, no mundo virtual, onde não existem policiais, juízes, tudo é só deleite, e a simbiose da inescrupulosidade reina absoluta. Sem riscos de perturbação ou ameaças de expulsão do paraíso onde, além de reinar a impunidade crê-se, tranqüilamente, que o crime compensa. Entretanto, as instituições precisam sobreviver, o poder político precisa manter-se para adestrar e conservar resignada uma grande legião de menos favorecidos, os que vivem à margem da cidadania. Para isso, defendem e instituem sanções penais mais severas e perseguem cruel e implacavelmente os suspeitos e autores de delitos pequenos, para meros efeitos de estatísticas criminais. Atacam os efeitos ignorando ou fingindo ignorar as causas.
Este é o cenário detestável do mundo real, oposto ao mundo virtual e paradisíaco dos afortunados criminosos insuspeitos e “honrados homens de bem”. A lei, com todo o seu rigor, a implacabilidade de alguns cegos promotores de Justiça, do engodo do adágio “dura lex sede lex”, do qual se valem verdugos juízes (que manda para a prisão e nela mantém o indivíduo que furta um frasco de xampu, uma lata de leite, etc), só existe para os sobreviventes do mundo real, dos que têm os pés no chão.
Os detentores do poder econômico, receosos do risco de alguma insurgência popular contra a ordem estabelecida ou contra o “Estado Democrático de Direito” (como tão profanamente usaram esta expressão durante o episódio da invasão do “Parque Oeste Industrial, em Goiânia, pervertendo o seu sentido), apelam pela instituição de penas mais severas, pela política do “tolerância zero”, pela indisfarçável “criminalização da pobreza”.
Enquanto reinar essa hipocrisia, que conduz a todos ao lamaçal do caos, onde até mesmo nos lugares mais insuspeitos, aqueles deveriam representar o último refúgio na busca de esperança aos oprimidos, as igrejas, passam a ser meros instrumentos de cooperação para com as idéias políticas dominantes e para com o crime organizado, onde a avareza afiada obtém generosos lucros às custas da fé cega, o resultado é que, não restam dúvidas, a paz para todos infalivelmente virá. A paz dos cemitérios.
Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2008
Sobre o autor
Manoel Leonilson Bezerra Rocha: é advogado criminalista em Goiânia (GO), presidente do Instituto Bezerra Rocha de Estudos Criminais (IbreCrim), professor de Direito Penal e doutorando em Direito Penal pela Universidade de Burgos, Espanha.
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Tuesday, October 21, 2008

Bibliotecas sem livros Ser editor, hoje

Sent: Sunday, October 19, 2008 10:14 PM
Subject: Biblioteca Nacional de Brasília
Colegas, vejam a notícia que já está circulando no Rio. Pena que a classe bibliotecária e o povo de Brasília não foi ouvido. Mas, ainda há tempo vamos nos unir e comparecer a audiência pública do dia 23/10, às 9h, na Câmara Legislativa. Chegou a hora de sermos ouvidos. Aos que desejam comparecer informo que existe um estacionamento grande após a entrada principal da CL. Vamos lá! Iza
DEU NO “O GLOBO”

Este foi o e-mail que recebemos na rede da Libre -- Liga Brasileira de Editoras, enviado pela nossa colega Isa, da Editora Briquet de Lemos, que trata de uma matéria saída em "O Globo" intitulada "Biblioteca sem livros". Coloquei no título deste post o plural, Bibliotecas sem livros, porque não é caso isolado, embora o mais espetacular. Leiam abaixo,após estes comentários, a reprodução da matéria de "O Globo". Ninguém comentou nada na rede, nenhuma editora da Libre. Eu não quis comentar na rede da Libre. Prefiro dar um destaque aqui para o que a Isa nos enviou e precisa ser enfatizado e divulgado. A matéria de "O Globo" fala por si. Mas pecisamos dizer que há uma febre de construir prédios, comprar estantes e mobiliários, instalar computadores, mas não fazem nenhuma dotação para livros. Esquecem-se de que existe uma economia do livro, não pedimos que amem os livros, mas que respeitem os negócios do livro, as pessoas que vivem do livro. E dão tudo para que um livro seja publicado. Dão a própria vida e o próprio dinheiro. Há uma cadeia de profissionais com vida a sustentar. Na verdade, a maioria dos editores perdem a vida pelos livros. Não queremos ser avaliados por critérios estatísticos meramente quantitativos, e isto parece a face construída do mercado editorial. Um monstro de muitas caras. Por isso dizemos ao Globo, esta pauta é ponto de partida para muitas outras pautas. A primeira, decorrente desta: Por que, desde grandes empresas, bancos, estados e municípios, pensam que livros são feitos para serem doados. Vivemos na época do pré-consumo do livro, comprar livros, o consumo necessário. Querem revitalizar a indústria editorial? Comprem livros, com isonomia, não apenas de uns poucos. Não bastam os programas governamentais, precisamos do incentivo às empresas para que comprem livros para suas bibliotecas. Contratam até funcionários para mandar cartas às editoras solicitando livros, (aos pequenos, médios e grandes editores). Empresas de grande porte, construtoras de rodovias e pessoas abnegadas nos pedem livros com eloqüencia sentimental. Eu fiz a frase, "Comprar livros, o consumo necessário". Aperfeiçoei para "Comprar livros, o gosto necessário", mais que hábito, bom gosto. Comprar livros, o bom gosto necessário. Faz parte das terapias alternativas.

Sugiro ao "O Globo" esta pauta, mais outra, que é também imediata: "Verbas de custeio para as editoras", como as há para as safras agrícolas. Se as pequenas editoras recebem grande encomenda, dê a elas, que ousaram investir sua vida em publicar bons livros, a verba de custeio. Um adiantamento nos programas, para que possam pagar gráficas à vista, em menor preço. Sim, verbas de custeio para o livro.

Outra sugestão de pauta: O FNDE-MEC --, no PNBE -- Programa Nacional Biblioteca da Escola, ao ouvir a cada ano o que dizem sobretudo as editoras independentes, teve a sensibilidade de aprimorar seus editais em várias cláusulas que apenas serviam para amarrar burocraticamente a participação democrática de livros e editoras. Em um dos aperfeiçoamentos, não contemplou a reciprocidade: colocou um teto para inscrição, mas se esqueceu da contrapartida: não estabeleceu o teto para participação de cada editora em cada acervo selecionado. E as distorções estão aí no PNBE-2009, concentração de títulos em grupos editoriais e casas isoladas. O que deve haver é uma multiplicação de programas, gerando escoamento para a produção editorial com demanda maior que ela em todo o país. Se empresários querem montar bibliotecas, façam dotações, comprem livros e peçam Nota Fiscal às Editoras. E desburocratizar.

Carlos Guilherme Mota de volta, com sua "História do Brasil". Saiu no Estadão de domingo. E lá está o fecho para o meu post, ele fala que políticas de inclusão não bastam se não formamos um grande sociedade civil. Realmente, estamos falando de inclusão de leitores, mas precisamos refletir e nos agregar a um projeto de sociedade consciente das nossas liberdades e direitos, porque o sentimentalismo sem sensibilidade não está com nada. Isto fazemos com boa leitura, bons livros matando a fome de ser. Ter livros é ser. Enfim a matéria enviada pela Isa, da Briquet de Lemos (Ah! Nem foi matéria de O Globo, foi coluna de Elio Gaspari, publicada também na Folha de S. Paulo):



Biblioteca sem livros

● Circula no comissariado cultural de Brasília uma
proposta de criação, na cidade, de uma “Biblioteca
Nacional de Ciência e Tecnologia, Inovação e Inclusão
Social e Digital”. Nome pomposo para uma girafa.
Logo em Brasília, único lugar no mundo onde existe
uma biblioteca com 10 mil metros quadrados construídos
ao preço de R$ 42 milhões, com 14 funcionários,
inaugurada duas vezes. Uma beleza, mas nela não há livros
para consulta pela patuléia. Tamanha excentricidade deveria
fazer parte do roteiro turístico da capital: “Aqui uma biblioteca
sem livros”.
Desde a fundação da cidade espera-se que Brasília tenha
uma biblioteca pública com acervo de interesse geral, capaz
de funcionar como o centro de uma rede de oferta de livros.
Havendo o prédio, seria natural que se respeitasse a idéia
original. Em vez disso, apareceu a proposta de se trocar a criação
de uma “Biblioteca Nacional de Brasília” por um projeto de
pretensão retórica e alcance limitado. A girafa vem com um
palavratório: “A implantação de uma biblioteca com essas
funcionalidades deverá estimular a curiosidade e interesse
da sociedade, em geral, e das comunidades carentes, em particular,
contribuindo para a difusão da ciência e tecnologia e inovação,
fundamentais para a formação cidadã e para a inserção social.”
Tudo ficaria melhor se as coisas fossem simplificadas.
Brasília precisa de uma grande biblioteca pública, organiza-se um
acervo de interesse geral e oferece-se o serviço à patuléia. Se
ela quiser livros de ciência, haverá de pedi-los.

“O Globo”, Caderno O País, p. 15, 19/10/08.
Coluna Elio Gaspari

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Sunday, October 19, 2008

Mulheres editoras, homens que batem em mulheres

Começa aqui o meu espaço solidário com relação às mulheres. Morre minha alienação de gênero. Sou solidária com todas as mulheres. Elas não sofrem apenas violência em casa. Sofrem violência na rua. Sofrem a violência da rua. A violência na profissão por parte dos rudes personagens homens entre os prestadores de serviços. Não falo de operários ou contínuos. Falo da emergência predatória de lúmpem-empresários. Burocracias que nos cassam os projetos. Todas as ações letais e o componente vingativo da inveja.

Vejo mulheres valentes e teimosas. Não sei até quando serei teimosa. Desertar diante de assassinos? Vamos nos homiziar e daremos à luz os nossos projetos. Ninguém os roubará. Ninguém os impedirá. Quem advogará com a certeza de que temos razão, não apenas nos acenando de que o adversário pode tudo, desde sujar a água e impedir a cidade de bebê-la e nos jogar a culpa? Desde quando o dialogar tenha de atingir o desacordo da opressão do lobo contra o cordeiro? Desde quando teremos de tolerar a travessia do rio com o escorpião às costas e ele vir a morder-nos e nos conformarmos com sua resposta: "É da minha natureza". As rãs podem nocautear (ainda procuro o termo, blindar?) escorpiões com seus chinelos de seda.

Temos de falar, apoiar urgente o trabalho do Conselho Estadual da Condição Feminina. Ir às Delegacias de Mulheres e pedir que não tratem apenas da violência doméstica: Mulher não pode apanhar na rua. Mulher não apanha somente em casa. Por isso, estendam sua luta, ó mulheres militantes, que eu não sou, porque apenas sofro as dores do mundo, agora as dores das mulheres empresárias no mundo. Juntas, com os homens bons, até que possamos ver triunfar o direito e a justiça sobre os ratos. Roubam o alimento das cozinhas.

Saturday, October 18, 2008

Ser editor, hoje, mulheres

Sempre subestimei a questão de gênero nas profissões, sempre achei balela essa queixa de se julgar vítima de preconceitos. Nunca me comportei como homem para exercer o papel de editora. Vejo muitas outras como eu, melhores que eu, pois são mais objetivas e práticas, realizam cada uma a idéia inesperada. No concreto dos livros. Eu admiro no que fazem o que não sei fazer. E faço aquilo que sei fazer, padecente de aceitação restrita, ou imediata acolhida, por sorte.

Mas essa história de sofrer preconceitos, ser agredida por machos toscos, nunca me passou pela cabeça, eu subestimava as narrativas, inclusive de alunas e professoras no mundo mercenário das chamadas faculdades particulares, com suas histórias e processos contra agressões masculinas, sobretudo vindas de profissionais de outras áreas nem afins atuando como professores.

A idealização das pessoas sempre foi o meu pecado. Nunca fui ingênua, mesmo que ao lado do charme empreendedor produtivo tenhamos de enfrentar a selva dos negócios, a perversidade burocrática e seus cegos guardiões e suas mecânicas repetições, os lobismos, o desequilíbrios entre a busca do aprimoramento e o retrocesso rude. As "visões do inferno" são banais. Mas a minha alegria e disposição sempre ficavam acima da violência da realidade.

Mas, a brutalidade virou norma nas relações. E a gente sabe de histórias e vive histórias que são invasões bárbaras a conspurcar o processo civilizatório. O mundo apenas financeirizado perdeu todos os valores humanos.

Acordei para a humanidade, a qualquer tempo, a qualquer época a qualquer dia. Lutar pela vida com qualidade, o humanizar-se. Vi com meus olhos, bateu em minha carne uma frase preconceituosa contra a mulher editora: "Não vou ganhar nada com isso, mas vou fazer isso só para ferrar ela." Estou apanhando. Disso jamais me corrigirei, eu tomo as minhas dores e as dores do mundo. Agora temos de lutar para ser humanos.

Precisamos, já, sim, trazer para o lado das editoras as advogadas que militam pelos direitos da mulher e podem, sim, nos pedir indenizações por discriminação de gênero. E por perdas e danos. Por injúria e difamação. Por tudo que degrada a nossa saúde física e mental nas relações de trabalho, não somente como empregadas, mas como empreendedoras. Como consumidoras de serviços. É uma rede de relações que precisam ser diplomatizadas, não bárbaras.

Ser editor, hoje, e ser mulher, é assumir o seu papel feminino e todos os papéis femininos da nossa categoria. Não podemos apanhar na rua e disso gostar. Um aviso: a frase " é só pra ferrar ela" não foi proferida por nenhum de nossos queridos colegas editores homens, mas no universo paralelo onde coexistem nobreza e emergência (a ascensão lúmpen "burguesa" sem consciência social) e falta de compromomissos leais e éticos nas negociações do ofício.

Vem-me sempre o verso de Drummond, no seu poema "Elegia 1938"

"porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan."

São necessárias sim as advogadas e todas as instituições públicas e privadas que defendem a mulher. As mulheres editoras precisam, sim, da sua existência. Em qualquer categoria profissional, não estamos imunes ao machismo agressor remanescente.

Friday, October 17, 2008

Subestimação

Diante da ninhada da serpente

Não quebramos-lhe os ovos




Incúria

Diante da ninhada da serpente

Deixamos-lhe os ovos

Thursday, October 16, 2008

Sentença

Sentença

-- Você plantou roseiras?
Irão insultar as rosas.

-- Plantarei rosais.

Saturday, October 11, 2008

PNBE 2009 - Concentração de títulos

Melhorou, melhorou, a proporção de escolhas para formação de acervos nos programas de compra de livros pelo Governo Federal (nos municípios ainda ocorre a inscrição, por uma editora só, de um número indiscriminado de títulos a cada formação de acervo), entre editoras grandes, médias e pequenas. Novos selos foram criados por grupos empresariais fortes para ocupar o espaço "perdido" com o teto do número de inscrições de títulos por editora estipulado no último edital do PNBE-2009.

A defesa agora (esta é uma sugestão de pauta para os cadernos de Cultura e Educação da Grande Imprensa paulistana, carioca e nacional) é: ouvir os atores do mundo do livro, não apenas parte ou se restringir aos dirigentes das associaçõs de classe. Houve matérias exemplares em certa época, que contribuíram para o avanço da virtude em detrimento de vícios na formação diversificada de acervos. (Havia concentração de autores muito conhecidos e ocupando vários acervos seguidos com a repetição dos mesmos e numerosos títulos de uma obra extensa e um marketing intenso.) Defender a literatura contra os arranjos e adaptações, porque há obras de grandes autores (conhecidos e desconhecidos) precisando ser descobertas pelos pais, professores e toda a ditadura de um gosto médio a atropelar a arte e a literatura. E as viseiras de muitos compradores de livros que só enxergam modismos. Em e-mails e telefonemas já recebemos apelos de professores pedindo o novo, o inédito além do óbvio. Vamos parodiar Rimbaud, "Por delicadeza, eu perdi minha vida". Se nos calamos temerosos ou para não desagradar à tagarelice usurpadora do interlocutor mais visto, a mediocridade barulhenta continuará a dar as cartas com sua esperteza, ruídos, cores berrantes e frases edificantes. E os verdadeiros defensores da arte e da literatura não se expõem (com medo das retaliações e pode-se sair ferido, sim), sem afrontar o ataque das reticências e das exclamações excessivas.

Portanto, se o edital do PNBE 2009 que avançou em olhar de justiça limitando o número de obras inscritas por editora, deve, por favor, providenciar a recíproca que é verdadeira: limitar o número de escolhas por editora na composição dos acervos. Isto, posto em edital, como aprimoramento necessário em defesa da concorrência. O que estaria implícito no princípio da isonomia. Corrigiu-se, quando houve insurgência, a concentração de autores e os mesmos títulos em vários editais seguidos. Há os que querem espaço para as editoras regionais, é justo desde que tenham editado bons autores locais e universais. Como cota de inclusão, simplesmente, é a cegueira carola se pronunciando, pois aspiram a fazer valer o que não se sustenta. Que se abram nas regiões fora do nosso eixo Natura e Lancôme editoras de bons livros. O autor é bom em São Paulo e em qualquer parte. Um autor bom nasce no mar ou na serra, no interior ou na capital. Para autor e livro, vale a qualidade. Aqui também se publica muito papel pintado levado de porta em porta e de praça em praça como se livros fossem. E as estatísticas celebram o quantitativo. Sejam bem-vindas as boas editoras regionais, já sabemos de muitas, de Santa Catarina a Goiás, em Salvador e lugares mais, com catálogos, inclusive compostos de obras universais dos mais renomados autores de todos os tempos.

Eu desejo fazer livros, que possam trafegar em todos os meios. Não quero fazer livros com receitas somente para agradar os avaliadores governamentais. Já acertei, fazendo o que quero, e o PNBE escolheu o livro editado.Vou inscrever sim as obras que fiz porque quis fazer, pelo seu valor universal. Participei de programas e gostei. O que me possibilitou editar mais e mais o que me parece literariamente relevante. Apesar de as gráficas terem subido seus preços além do necessário, aumentando absurdamente o custo da impressão e acabamento, nós que já temos de suportar descontos altíssimos sobre os preços de capa, amargamos o prejuízo ou mesmo a imposibilidade de cobrir os custos por termos de vender, apesar da escala, por um preço ínfimo. Como se não tivéssemos outros custos com altas faturas a honrar. No cotidiano, sustentamos a indústria da consignação, como financiadores sem podermos captar financiamentos adequados ao longo prazo com que opera a indústria do livro. Não adotada, felizmente, pela Livraria Cultura e suas lojas florescentes. Saraiva também compra. Fazemos milagres. Discordei de um editor que disse que ser editor é não fazer contas. Hoje acho que tem ele razão, pois se formos fazer contas, desistimos. Ser editor, hoje, é sofrer na contracorrente, teimar contra todos os desprezos, sobretudo dos bancos (sobretudo os oficiais) que estão aí para nos pregar armadilhas. Não há nenhuma linha de financiamento para a edição de livros.

Fazer livros com pretensas receitas para agradar avaliadores também faz parte dessa gincana cruel, que começa com as inscrições online, grande avanço, mas precisamos de mais tempo diante da fragilidade dos sistemas informáticos, caem a qualquer momento. Ser editor, para a Musa, é não se entregar a essa gincana cruel. Às pressões de uma competição a qualquer custo. Fazer livros não é um ato desportivo. Mas ter projetos verdadeiramente culturais. Civilizatórios. Éticos e estéticos. Não querer viver de encomendas, mas da descoberta do ouro que os bons autores apresentam. Preparar o surpreendente, receber o inesperado para editar como foram os casos de "Menino Retirante Vai ao Circo de Brodowski", o livro de poemas de Eric Ponty, com os quadros da infância de Portinari; "O Elefante Infante", de Rudyard Kipling, tradução dessa obra-prima de Rudyard Kipling (Prêmio Nobel de Literatura 1907), por Adriano Messias, escrita para crianças; "O Sapo Apaixonado", de Donizete Galvão, baseado em uma narrativa indígena e ao mesmo tempo em uma narrativa da tradição oral semelhante ouvida pelo autor em Borda da Mata, Minas Gerais: se um sapo grudar na mão de um menino só sairá dali quando houver uma trovoada. Sou muito grata aos autores, tradutores, designers e ilustradores, e mesmo revisores, como a Sandra Brasil no caso do "Elefante", todos com suas sugestões que culminam com o livro pronto, fazendo de cada edição um objeto único. Como no final do Evangelho da Samaritana, o editor colhe o que outros plantaram: "Uns são os que semeiam outros os que ceifam." Ser editor é ceifar o que não semeamos. Nessas edições sou muito grata ao Adriano Messias, ao Donizete Galvão, à Betty Mindlin (pesquisadora da lenda e prefaciadora do livro); ao Eric Ponty, ao João Cândido Portinari, ao Projeto Portinari, à Mariana Massarani, ao Fernando Vilela, à Sandra Brazil, ao Diego Barreto Ivo, aos físicos da Usp Patricia Bessa e Augusto Damineli Neto, pela ajuda na redação da nota (em O Elefante Infante) sobre a Precessão dos Equinócios; à Raquel Matsushita e Marina Mattos (projeto gráfico dos três livros infantis) e Juliana Freitas (diagramadora). E há os impressores. Sou grata a todos pelos livros únicos que comigo fizeram. Quem prestará atenção ao inédito dessas histórias? Alguns avaliadores já viram. A maioria, não. Os professores passam ao largo. Alguns param diante da banca nas feiras. São as exceções que apreciam. Pois a sutileza do trabalho da Raquel e Marina não grita. Mas eu insisto e os admiradores desses livros só têm aumentado. Deles todos somente o Kipling ainda não foi escolhido para compor acervos governamentais. Fiz uma provocação na Primavera dos Livros, este ano, no Centro Cultural São Paulo: "Este é o livro mais bonito da feira". Vendi a pilha de Elefantes Infantes. As pessoas pararam. Mães, avós, pais, pena que era o último dia. Se fosse no primeiro, teria atingido os professores com a minha frase gaiata, não, pois continuo dizendo: "Esta é a história mais bonita escrita para uma criança." Fala de uma viagem que talvez tenha durado 26.000 anos, o tempo de uma era. Somente para ter resposta a essa pergunta: "O que o crocodilo come no jantar?" Come editores, como eu, que prefere navegar na contracorrente do amor à Literatura e só quer fazer o que quer fazer, sem competições. Para agradar e pelo simples motivo de que bons livros possam receber a acolhida que merecem. Não o desprezo geral que se contenta com os modismos, as fórmulas gerais receitadas, o facilitário e o pedagogismo que prevalece sobre o literário. Também ainda persiste um "lobismo contratado", graças a Deus nem influencia tanto, pouco, mas atrapalha a virtude da diversidade, promovendo a concentração de títulos de poucos. Repito, colocar teto para escolhas, em edital, como há teto para inscrições.

Nessas bancas de feiras, em que expomos nossos livros, também temos a surpresa de encontrar avaliadores com a sensibilidade necessária. Pessoas surgidas à nossa frente, empreendedores da renovação dentro das universidades, bibliotecas e escolas ou de instituições diversas e programas arrojados, que têm olhos para o que gostamos de fazer. Por isso a participação em feira de livros é fundamental para editores e a Libre - Liga Brasileira de Editoras, cuja "Primavera dos Livros" recebe apoio de dinheiro público, precisa ir atrás das editoras que ficaram pelo caminho e agregá-las de novo ao grupo de participantes, abolindo todas as barreiras burocráticas, próprias de condomínio. A Primavera dos Livros, um evento agregador de pequenos editores que precisam dessa via alternativa para mostrar e vender seus livros, precede a fundação da Libre. O princípio da Primavera foi o agregar editores, buscando-os um a um no deserto em que nos encontrávamos. E, juntos, temos de nos incluir mais, cultivando a via originária de tudo que reivindicamos de virtuoso para o mercado editorial e conseguimos, em parte.


Friday, October 10, 2008

Ser editor, hoje, FNDE Programa PNBE2009 Tetos recíprocos

O Progama Nacional Biblioteca da Escola, do FNDE-Mec é um dos melhores programas de distribuição de livros do mundo. Vem se aperfeiçoando na seleção dos acervos, mas precisa se aperfeiçoar ainda tudo tendo em vista a reciprocidade e a diversidade. Enxergar com olhos de justiça o acesso universal à Literatura. Sem concessões a nenhum facilitário textual ou ao burocratismo injusto com autores e o trabalho dos editores. Bons livros são deixados de fora durante o tempo das inscrições, uma gincana cruel, caiu o sistema informático e não soubemos correr. Passou da hora e a obra-prima de Kipling para crianças ficou de fora pela segunda vez. "O Elefante Infante". (Na primeira, houve retenção, por uma questão burocrática de data e menção de primeira edição, nem foi encaminhada para seleção a mais bela história contada para as crianças pelo próprio Kipling, o que já foi corrigido nesse edital 2009. Sempre foi corrente, não constar primeira edição, só a partir das reimpressões seguintes havia o registro a página de rosto do livro.) Nem adiantou pedir, "deixem um pouco mais aberto o sistema". Com a resposta formal, mas inclemente, negativa, sentimo-nos ridicularizados. Kipling de fora da seleção.

Antes, como ainda ocorre em outros programas, como o da Prefeitura de São Paulo, "Salas de leitura", nós, editores, costumávamos inscrever insdiscriminadamente nossos títulos. Não havia um limite em cláusula contratual para disciplinar nossa afoiteza e a vantagem dos mais fortes em detrimento da fraqueza numérica dos catálogos dos pequenos editores, não necessariamente mais fracos. Agora há um limite para inscição de títulos, e isto ficou bem explícito e satisfatório no PNBE2009.

Mas a reciprocidade não se deu. É preciso urgente que haja um teto para a seleção de um número de títulos por Editora, seja grande seja pequena. Como num teto de inscrição de 15 títulos permitir uma escolha de 90%? Fere o princípio da concorrência. O universo, entre grandes e pequenos, é de mais de 1.500 editores. Portanto, essa concentração de escolha é danosa. Há boa literatura de fora, e isto é grave. Exclui obras e editores, todos descontemplados ainda pela perversa concentração nas escolhas.

Lamentável que hoje a parte cultural da grande imprensa está alienada a esses problemas de construção de acervos pelos programas governamentais, em todos os níveis. Acordem editores do Caderno 2 do Estadão, Prosa & Verso, de O Globo, Idéias, do Jornal do Brasil, Eu &, do Valor Econômico, Fim de Semana, da Gazeta Mercantil, toda a imprensa cultural no rádio e na televisão. Quando vamos nos levantar e discutir a sério os verdadeiros problemas do livro, da literatura e do mercado editorial, hoje, mais do que nunca, atrelando a sua sobrevivência à composição do acervo pelas bibliotecas públicas? Isto também vale para os Cadernos de Economia Não valem ufanismos, nem matérias protocolares, mas ampla consulta à diversidade de atores da economia do livro. Quem sabe a revista Piauí com sua proposta de fazer matérias longamente pesquisadas e com o tempo necessário para finalizá-las poderá discutir este tema re
levante para o livro, o leitor, a leitura, a educação, a cultura Ou simplesmente pelo amor à Literatura. Defesa da concorrência, sobretudo entre pares.

Um colega editor ao telefone me disse que eu escrevo, depois penso. Ao contrário, venho refletindo muito, lendo muito jornal e revista, vendo televisão, conversando nos bastidores, recebendo recados de quem não quer se expor a qualquer possível retaliação (o que não é temor infundado). É assim penso, depois escrevo. E não paro de pensar.

Wednesday, October 08, 2008

Ser editor, hoje A tão esperada lista do PNBE 2009

No mês em que se comemora o Dia da Criança sai a esperada lista das obras selecionadas pelo FNDE-MEC, Programa Nacional Biblioteca da Escola, para as últimas séries do Ensino Fundamental (300 obras) e para o Ensino Médio (300 obras), num universo de inscrições de mais de 2.000 títulos. É um programa que merece ser celebrado e repetido, mas ainda há que aperfeiçoá-lo, livrando-o dos vícios, em prol da democracia, da isonomia e da literatura.

Obras literárias de primeira linha foram escolhidas, ao lado de textos medianos e predominância mais do critério pedagógico do que do literário. O instrumental sempre atropela o literário, na média dos casos. Temos de celebrar as obras verdadeiramente literárias escolhidas sobretudo para o Ensino Médio. E há textos literários de sobra nos catálogos das editoras que ficaram de fora. Prevalece sempre a temática, a camisa-de-força dos gêneros (muitas vezes poemas escolhidos nem são poesia, são lirismos fáceis, muitas vezes temos de lembrar Mario de Andrade em frase aos seus interlocutores candidatos a poeta, em 1930: "Você chegou ao lirismo, mas ainda não chegouà poesia" e eu acrescento que há versos edificantes nos livros infantis que nem ao lirismo chegaram). Repetindo, prevalece a temática, o gosto médio, a adaptação em lugar do texto genuíno dos clássicos. Muitos grandes nomes escreveram obras-primas para as crianças, para as suas, para as dos outros e as do mundo, em termos de atualidade e posteridade. Não basta uma história, mas a diferença está no modo de contá-la, a palavra artística para formar o gosto das crianças e do jovem leitor. Há bons autores brasileiros escrevendo e que escreveram e voltaram em reedições, como a Cacy Cordovil, com seus contos em "Ronda de Fogo", livro originalmente publicado pela grande José Olympio, nos anos 1930, celebrado pela crítica, e que voltou pela Musa 57 anos depois. É um livro sutil, com capa de Diana Mindlin, a ilustração de Santa Rosa, por licença concedida, ainda presente na capa. Cacy foi a primeira musa de Vinícius de Morais, ainda menina os dois estudaram no mesmo colégio do Rio de Janeiro. Ele escreveu para ela o primeiro poema. Isto está relatado por José Castello em "O poeta da paixão", biografia de Vinícius. Contos ótimos para deleite do Ensino Médio. O que há de melhor é que um dos contos de Cacy, deste livro, "A Carta", foi escolhido, por um dos maiores escritores da atualidade brasileira, para fazer parte da antologia dos Cem melhores contos brasileiros. Esta é uma homenagem à memória de Cacy Cordovil, continuarei insistindo para que os programas governamentais, como os bons críticos literários enxergaram bem, enxerguem o seu livro. "Ronda de fogo", contos.

Aproveito a deixa: livros infantis não precisam ser berrantes, nem nas cores, nem no apelo, mas sutis. Nos textos, o instrumental não pode atropelar o literário, nem o edificante se fingir de literatura. A temática somente vale se for tratada com linguagem de genuíno escritor. Mas quem irá enxergar a sutileza, se estamos cegos e só nos apegamos ao óbvio? Ir além do óbvio, todos nós, de forma mais ampla. Os critérios pedagógicos não podem atropelar os literários. Saramago já disse que quando morrerem todas as ciências, só restará a literatura. Preciso encontrar a frase exata, para citá-la literalmente.

O mais grave, que o FNDE precisa corrigir, e isto já vem da formação de outros acervos e foi parcialmente corrigido, é a questão da concentração de títulos em um grupo editorial ou editora isoladamente. Tínhamos, no edital do PNBE 2009, um número como teto para a inscrição, se não me falha a memória 15 para cada categoria, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em cláusula justa. Por que na escolha não se sugeriu um teto para as editoras e grupos editoriais? Teto como via de mão única somente para inscrição perpetua o vício de acervos anteriores da concentração de títulos. Mesmo que a Musa tivesse sido uma das editoras felizardas com escolha de mais de uma dezena de títulos, eu faria esta observação. Quando lutamos pela isonomia, pela democratização e pela adoção de livros de catálogo, a Musa estava no programa, quando outros não estavam. PNBE 2010, ver a mão dupla, limite para inscrição e limite para número de obras escolhidas de cada editora. Assim, outras poderão entrar e a bibliodiversidade vai se tornando realidade, deixando de ser apenas bandeira.

Nesta Semana da Criança, no Dia da Criança, recomendo a leitura de dois belíssimos livros do catálogo da Musa:

O Elefante Infante, de Rudyard Kipling
Tradução de Adriano Messias
Ilustrações de Fernando Vilela
Projeto gráfico de Raquel Matsushita e Marina Mattos
Em todas as boas livrarias do País (Procurem na Cultura, Travessa e Saraiva e nas livrarias independentes, que pequenas livrarias dedicadas ao público infantil também só enxergam o óbvio, nada além, mas há aquelas que enxergam, belíssimas exceções)

O Sapo Apaixonado
Donizete Galvão
Ilustrações de Mariana Massarani
Projeto gráfico de Raquel Matsushita e Marina Matos
Também nas boas livrarias do país, com os mesmos comentários
Já foram livros indicados como presente de Natal e no hot site dos mesmos estão os detalhes. Hot site dentro do site: http://www.musaeditora.com.br/

Saturday, October 04, 2008

Ser editor, hoje Primavera dos Livros 2008 e mais livros

Dias sem postar. A boa notícia é que novamente ocorreu em São Paulo a Primavera dos Livros 2008, no Centro Cultural São Paulo. Um belo e aprazível lugar para a convivência saudável de todas as classes sociais em torno do biscoito fino da cultura geral produzida em todos os níveis e em todas as áreas: livros, música, teatro, cinema, resumindo: tudo em livros que tudo engloba e atrai ao vivo os intérpretes das demais áreas. O público foi muito pequeno nessa festa.

Alguns tiveram nenhum sucesso de vendas. Insucesso para a maioria. Editores não participaram. Não porque não quisessem, mas pelos custos inerentes à viagem, e todos os custos inerentes sem que pudessem ser pelo menos cobertos pelas vendas parcas.

Quem trabalha na organização de um evento desses trabalha demais e nós, que fomos tratar de outros assuntos e brigar por nossos direitos numa época de financeirização do mundo em detrimento do trabalho de produção, do desejo de realização de projetos inovadores atropelados pela ganância da espoliação geral do mundo financeiro simplesmente (graças a Deus em crise, pois esse desregramento não poderia dar boa coisa e agora aguardamos regulações em benefício de todos), numa avaliação positiva ou negativa temos de reconhecer que pecamos por omissão. Valeria a pena discordar de que um tema único nos roubasse a diversidade necessária na organização temática das mesas? Afinal, a Primavera dos livros nasceu para privilegiar os catálogos literários. Nesta de São Paulo, o literário se foi, a não ser pela exposição dos livros nos estandes. Mas precisávamos de mesas literárias, não voltadas apenas para o discurso médio da inclusão. Um índio autenticamente consciente me encantou com seu discurso consistente, mas ele só não bastou. Num trabalho desse porte precisamos da chamada bibliodiversidade e chamar os autores, discutir o livro, as políticas públicas e as propostas privadas. Chamar todos os atores da economia do livro, inclusive tradutores e ilustradores.

Não houve público e eu me decepcionei com as vendas, por mim e pelos demais que vieram de longe. A ausência de público tem causas externas e internas, no âmbito dos sócios e também da organização trabalhadora. Não basta sermos trabalhadores, temos de incorporar o talento que produzirá o impacto no espaço público. Se ficamos trocando elogios entre comadres, no âmbito da epiderme, não atrairemos ninguém.Temos de ir fundo e provocarmos com talento genuíno, deixando de lado todas as atitudes carolas. A questão do livro é séria. Queremos ouvir o que vem do fundo da garganta de nossos pares. Queremos a alma derramada de nossos pares ausentes. Dos que ficaram pelo caminho e sequer paramos para perguntar-lhes: "Por quê? uns caíram, outros desertaram.

A Primavera nasceu com a preocupação coletiva, todos em torno de um objetivo maior, em que as pessoas se preocupavam com a agregação geral. Precisamos retomar esse espírito agregador, pois aí atrairemos os ausentes. Temos de sair em busca dos ausentes. Isto não é natural, tanta ausência. Temos apoio público e devemos ser insistentemente inclusivos com os nossos próprios pares. Sem contaminações burocráticas, lamentando sim as ausências, não somente do público.

Em que erramos? Em que acertamos? Acertamos na beleza, erramos feio na ausência de diversidade nas mesas. Em deixarmos de fora os grandes nomes de todas as gerações de autores que fazem os nossos catálogos e a letras brasileiras em todas as áreas. Tivemos notas na imprensa, mas não matérias incisivas em grandes jornais, como já tivemos em outras áreas em que renovávamos o mundo.

A Primavera dos Livros nasceu para inovar, impactar, isto atrai público. Que o Rio de Janeiro recupere para nós (e nós não temos de ser omissos como fomos em São Paulo) este clima de festa do livro que incendeie não apenas os jardins do Palácio do Catete, hoje Museu da República, mas toda a cidade do Rio de Janeiro e o país. Urgente discutir a questão do livro, ainda na era do pré-consumo.

Sugiro este tema para uma mesa com notáveis: "Segundo os publicitários vivemos a era do pós-consumo. E o livro, ainda está na era do pré-consumo? Por quê? Como chegar lá, a despeito de todas as tecnologias, pois ele é veículo gerador de tecnologias. Pensar o livro, livros que pensam e fazem pensar."

Uma notícia do talento em ação: Camila Perlingeiro volta a atuar na organização da Primavera dos Livros no Rio de Janeiro, ao lado dos demais, bem ao lado do Glaucio Pereira, que dirige a Quartet e revitalizou a Livraria do Museu da República. Os livros da Musa estão lá.

Nessa hora de falta de dinheiro e do Banco do Brasil com seus pacotes e armadilhas contra as pequenas empresas, sem distinguir o bem do mal, cultura e necessidade ampla de apoio ao livro e à educação, põe propaganda enganosa nos jornais no Dia da Pequena Empresa. Por que não dá poder aos seus gerentes, que nem precisam existir, pois as travas do sistema os obrigam a negociar tudo em pacotes. "assim nem precisa de gerente", constatou uma trabalhadora do livro muita antiga na área. É a mais pura verdade, pra que gerente, se as travas do sistema da automação impedem a inteligência dos negócios? Somos obrigados a negociar pacotes a agüentar punição e conseqüências nefastas por solicitar algo inidividualmente? O "aprimoramento" para o mal das empresas. Quando a cegueira burocrática cessará? Os cegos nos Estados Unidos protestam contra o filme de Fernando Meirelles, Ensaio sobre a Cegueira (li no Estadão e aqui faço meu "Jornal do Jornal"), mas se esquecem eles de que Saramago falou da degradação dos cegos que vêem mas não enxergam, que têm olhos e não vêem. Os cegos também podem ver, com os demais sentidos, ver com alma com a alma. Mas essa cegueira dos burocratas e da vida em condomínio é o combate do artista com suas armas alegóricas. Quer mais cego que um burocrata diretor de banco, por exemplo, ou os tais mercenários formuladores de armadilhas espertas contra os cidadãos indefesos do atual sistema financeiro, graças a Deus em crise. Regulação em cima dessa turma voraz em cima do cidadão, fazendo a maioria "pagar pelos pecados de poucos", a expressão não é minha, mas de um economista articulista internacional. Como um grito contra o "curto-prazismo", que assola todos os consumidores do mundo e os afoga.

Que na Primavera dos Livros, no Rio de Janeiro, possamos discutir a fundo as questões culturais do livro em uma economia adversa. Com talento na organização das mesas com diversidade de temas, atrair público e imprensa para a pertinência das nossas discussões.

O feito da Primavera dos Livros em São Paulo é um reinício e a Musa quer sempre participar. Mas temos de, junto com o feito, recuperar nossas ambições fundadoras, junto com o novo, nunca como opção ao médio e à média. E cultivarmos a inclusão dos nossos próprios pares (o porquê de tantas editoras ausentes, se temos apoio público) e, buscando essa inclusão desse público interno, atingirmos a economia solidária, que teoricamente pregamos. Somos predatórios uns com os outros na área do consumo interno. A Libre jamais deve ter espírito de condomínio. Temos muito o que fazer, se nos tornamos omissos, há causas outras que nossa própria omissão. Sentimentalismos a parte, vamos é mergulhar bem fundo. Estamos muito horizontais e epidérmicos, vamos ouvir os ausentes. Por que ficaram mudos?