Tuesday, February 23, 2010

Biblioteca Bibliodiversidade Biblioteca do Carandiru

Inaugurou-se em local outrora o presídio do Carandiru uma Biblioteca Pública. Isto é motivo de aplauso e de festa. Todos escreveram sobre o evento, com gradas presenças. Quartim de Moraes dedicou ao fato uma reflexão, em sua coluna do Estadão, no último sábado. Que todos consultem.

O Estadão reportou, ou seja, narrou a festa e expôs as propostas do conceito dessa Biblioteca de múltiplas atrações, mas o protagonismo possa ser do livro.

A Folha fez uma matéria crítica, embora acreditando no conceito da Casa, acrescentou suas ressalvas como crítica construtiva.

Um dos nossos pares divulgou o link da matéria da Folha, na rede da Libre, com a interrogação: Bibliodiversidade? Ninguém na rede da Libre se pronunciou. Eu também não me pronunciei, porque queria dizer aqui e estou preocupada com alguns eventos da Libre, especialmente com o nosso estande coletivo na Bienal do Livro de São Paulo, 2010. Ali configurou-se o priivilégio, não a ampla discussão para atrair a todos. Quando a maioria se encontrava de férias. É preciso retomar a atração dos ausentes e sua motivação.

Meu assunto é a Biblioteca do Carandiru. Aplaudo. Mas só não posso concordar, ministro João Sayad, secretário João Sayad, com a ausente preocupação com a bibliodiversidade. Os best-sellers como chamarizes, embora pareçam algo eficaz, tal fundamento motivador esgota-se logo, atende ao imediato e à desinformação além do óbvio, sabotando descobertas universais dos melhores livros e sua discrição frente ao ruidoso. O público também busca os longsellers, se a média viciada no óbvio não sabe buscar, temos de atraí-la com a bibliodiversidade, para os chamados longsellers. Uma tendência, recentemente abarcada também com festa pela Livraria da Travessa no Rio de Janeiro. O livreiro Rui Campos foi certeiro: "Sou a favor da bibliodiversidade." Atualizem-se, homens públicos e bibliotecárias de boa vontade, porque na tradicional Feira de Livros de Porto Alegre, o público reclamou por variedade. Não queria apenas a simples reprodução das vitrines das franquias livreiras e o tudo igual nas vitrines multiplicadas em uma lógica de rebanho.Sempre os mesmos livros repetidos. É um vício essa história de cultivar leitores pautando-se pelas listas dos mais vendidos, muitas vezes manipuladas. Precisamos cultivar leitores garimpeiros, não apenas chover no molhado.

Acrescente, por favor, secretário João Sayad, o conceito de bibliodiversidade (no site da Libre o senhor poderá conferir o que é, lá estampa-se o link da Travessa)na formação do acervo dessa belíssima Biblioteca.

Eu o cumprimento pela Biblioteca para substituir a barbárie, o número de consulentes que atendeu ao convite foi auspicioso, amplie o sortimento doacervo para eles. Os bons livros estão aguardando em seus primorosos catálogos, à espera de exames vituosos, sem a reprodução do vicioso que os descarta, mesmo nas escolhas governamentais para as crianças.Há uma predominância do pueril ao infantil.

Para nós, fazer livro é também fazer público. Acolha os longsellers, secretário João Sayad. Entre no site da Libre. O senhor não pode perder o sortimento das editoras independentes, fenômeno no mundo inteiro. Bem como o sortimento de todas as boas editoras, que produzem muito além dos best-sellers.

Monday, February 15, 2010

Carnaval e Sol todo 2010

Diante das fantasias do Carnaval, de todas as escolas de samba, só tenho a repetir os versos iniciais do poema que em outro Carnaval escrevi à visão da Mangueira ao amanhecer em sua glória de campeã (eu era bem uma fruta verde mas escrevi o poema para sempre), agora versos válidos para todas as visões das escolas na avenida, na tela, nos jornais e nas revistas, para todo o espetáculo este ano com livros na estante do carro alegórico, o trono do Quixote abrindo a festa e abrindo as páginas das notícias dos meus jornais matinais pela imaginação de uma União da Ilha e sua nova carnavalesca, Rosa Magalhães(trazendo ela livros para o luxo, pois livro é luxo até no cotidiano):

Aqui estou no centro
do planeta fictício
Onde não se fazem
canções do exílio.


Como bem disse Ruy Castro em sua última crônica na página 2 da Folha, não estou entre aqueles que amarram a cara, eu não amarro a cara para o Carnaval, apesar do Arnaldo Jabor detectar no espetáculo a presença do kitsch, em sua última crônica no Caderno 2 do Estadão. Joio e trigo esta seara, mas o espetáculo é mesmo o planeta fictício.

"I'm Nobody! " "Não sou Ninguém" a busca de um livro

I'm Nobody! Who are you?
Are you -- Nobody -- Too?
Then there's a pair of us?
Don't tell! they'd advertise -- You know!

How dreary -- to be -- Somebody!
How public -- like a Frog --
To tell one's name -- the livelong June --
To an admiring Bog!


(Emiily Dickinson, 1861)

Este poema de Emily Dickinson é minha paixão e Paixão. Estes versos emblemáticos "não sou ninguém/ e você, ninguém, também / então somos um par /não conte, podem espalhar" configuram minha alma profissional e pessoal. Definem a reciprocidade, esta cláusula pétrea que deveria ser respeitada em todos os contratos. O que foge a qualquer simples adesão. Prefiro a cumplicidade no meu ofício à competição. Eu busco equipe afinada, busco pares, não existe coisa quase impossível, mais trabalhosa. Às vezes existe apenas um par. Ou estamos sós com o desejo de um par. Falo de equipes de trabalho, nem toco em corporativismo. Hoje até a poesia se degenerou em corporativismos. Não há novos movimentos poéticos, mas grupos corporativistas que fazem recitais, atuantes em círculos restritos aos seus interesses imediatos. Compromisso com a poesia, nenhum. Apenas eventos que se somam às estatísticas "culturais" ou mesmo pseudoculturais. Prefiro os nomes sozinhos. Os prêmios para edição oferecidos pelas Secretarias de Cultura são cobiçados juntamente com os prêmios dos colegas. Uma festa pela autoedição, nesses casos, proliferam cooptações oportunistas. As Secretarias de Cultura deveriam tomar cuidado com essas distorções na ponta, a apropriação do público pela ambição pessoal privada.Paro por aqui, pois quero escrever sobre isto num post depois: "A Poesia hoje é corporativismo?" Onde está Mário de Andrade para aparar nossos meros lirismos quando ainda não chegamos à Poesia? Eu conheço Ivo Barroso e Ivan Junqueira, vozes discretas grandes vozes que se correspondem com alguns dos "novos poetas" (já editei Eric Ponty, um deles avaliado por eles, esta descoberta que preciso ainda cultivar na editora, apesar do temperamento, mas a voz poética é única). Onde haverá um movimento? Mas sempre sobram os poetas sozinhos. Pessoa, Baudelaire, Maiakóvski, Drummond, Cabral, este Augusto de Campos que é Augusto de Campos, poeta e tradutor de poesia, há mais nomes.

Eu soube com alegria que Augusto de Campos, pertecente ao movimento da Poesia Concreta, dera o título "Não sou ninguém" para os poemas escolhidos da obra de Emily Dickinson, que reuniu e traduziu com o esmero de seu trabalho. Fiquei "doida" para encontrar o livro. Só pensava nisso. Pessoalmente gratificada. Ratificada em minha convicção. "Não sou ninguém".

Acabei indo ao Cole, feira organizada pela Associação Brasileira de Leitura, na Unicamp, e comprei diretamente o livro no estande da Editora da Unicamp, que o editou. Guardei o livro como um troféu. Sentada no estande da Musa, lia e relia os poemas de Emily Dickinson traduzidos por Augusto de Campos, pronta a dividr tão boa notícia com os leitores do meu blog.E demorei, falando de outras coisas, prementes devido às circunstâncias. Mais premente é a eternidade deste livro, que vale por mil livros e por todos os não-livros expostos como areia pelas prateleiras gerais. Sacudir a bateia e achar esta joia. Um diamante livro.

A despojada edição é um luxo primoroso, a capa, criação de Augusto de Campos, um poema concreto, dos melhores. O livro está comigo, viaja comigo,permanece à cabeceira com os poemas de São João da Cruz traduzidos e apresentados por Marco Lucchesi, em edição bilíngue da Lacerda,como "Pequena antologia amorosa", e também o "Libro de la vida", de Santa Teresa de Ávila, publicação da Cátedra, espanhola, ainda não traduzido. Além das "Obras Completas", de Teresa de Lisieux, presente de Frei Patrício Schiadini, frade carmelita da igreja de Santa Teresinha de Higienópolis. E sempre outros clássicos, que deixo de enumerar. Para mim, a melhor história de amor da literatura universal intitula-se "O morro dos ventos uivantes". E a grande lição de autoestima autêntica é o verso de Emily Dickinson: "Não sou Ninguém!"

Que Augusto de Campos possa me permitir a citação de sua tradução, especialmente (há muitas), para o deleite do leitor, quem sabe um par, pois um livro busca entre os seus leitores seu par (o princípio da reciprocidade que norteia e gera o que é vida sempre):

"Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém -- Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!

Que triste -- ser -- Alguém!
Que pública -- a Fama --
Dizer seu nome -- como a Rã --
Para as palmas da Lama!"

(Trad. de Augusto de Campos,Campinas, Editora da Unicamp, 2009, p.41)