Sunday, September 27, 2009

Ano da França no Brasil O Bem da Cultura Francesa

Eu respirei a cultura francesa ainda pequena. Sem me dar conta da tamanha importância. Até de rezar a Ave Maria em francês, que ainda sei de cor. Cantar canções infantis em francês. Apesar de, em casa, a origem portuguesa levava meu pai a declamar Guerra Junqueiro para os filhos: "Fiel, partamos para casa". E tivemos também um cachorro chamado Fiel, presente do temível João dos Santos, cavaleiro paramentado de metais em seu burro bravo, pai da empregada Bertolina, que depois se tornou empregada da minha avó. Bertolina transou antes de casar, e minha avó proclamou que ela se tornara uma rapariga. Nós ouvíamos.

No colégio as freiras eram algumas francesas, as demais, brasileiras, a congregação de origem francesa. Recebiamos a visita da Chère Mère diretamente da França, Chère Mère Marie Léonce, Ma Mère Marie Odile. Havia Ma Mère Elizabeth, no convento em Itajubá, devia-se pronunciar Elizabé. Soeur Marie Ange, que reencontrei em São Paulo, em um evento sobre LIteratura Infanto-juvenil.

Eu achava tudo natural, nem sabia que era privilegiada. Até que um amigo comunista me chamou de alienada, na adolescência. No colégio, as freiras fizeram um escândalo, com um garoto do colégio dos padres, que diziam ser comunista. Eu gosto muito desse garoto até hoje, de quem não vou dizer o nome. Primas e amigas que estudavam no Sion, de Campanha. A irmã da minha tia, hoje com 80 anos, estudou no Sion. Eu não estudei no Sion, mas com as Irmãs da Providência de Gap, Soeurs de la Providence de Gap. Elas se despojaram de tudo, de alguns dos colégios mais famosos do Sul de Minas. Permanece o Colégio Sagrado Coração de Jesus de Itajubá. Eu estudei no Instituto Nossa Senhora Aparecida de Passa Quatro. Água mineral jorrava das torneiras. As montanhas lilases, a Mantiqueira banhada pela luz do sol a cada hora do dia, o lilás a tarde, ou era de manhã, não me lembro.

Conheci a literatura francesa no colégio, a gente brincava com os autores franceses. Fazíamos de conta que éramos Madame Sully Prudhome ou Apollinaire. Rimbaud, Baudelaire, Flaubert, Balzac, Gide, todos faziam parte do nosso cardápio cotidiano, pelas aulas de Irmã Josefina (quero visitá-la no convento de Itajubá). Sei até hoje de cor:

Le Pont Mirabeau

Sous le pont Mirabeau coule la Seine
Et nos amours
Faut-il qu'il m'en souvienne
La joie venait toujours après la peine

Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

Les mains dans les mains restons face à face
Tandis que sous
Le pont de nos bras passe
Des éternels regards l'onde si lasse

Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

L'amour s'en va comme cette eau courante
L'amour s'en va
Comme la vie est lente
Et comme l'Espérance est violente

Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

Passent les jours et passent les semaines
Ni temps passé
Ni les amours reviennent
Sous le pont Mirabeau coule la Seine

Vienne la nuit sonne l'heure
Les jours s'en vont je demeure

Guillaume Apollinaire (1880-1918)



em negrito pus os versos que gosto de citar, sobretudo aqueles, para conter a ansiedade:

Comme la vie est lente
Et comme l'Espérance est violente



E sei poemas outros de cor, como um de Jacques Prévert, "Je suis allez au marché aux oiseaux...", sei canções infantis de cor, canções modernas católicas de cor.

A construção do colégio tinha influência da arquitetura francesa escolar. As janelas, as portas comuns e as especiais, com as vidraças que se abriam para o jardim da frente, como no salão de estudos. Os jardins e o entorno da salas de aula, que davam para os pátios internos, rodeavam-nos cercas de buxo. Por isso adoro esses vasos com árvores de buxinho, que as floriculturas vendem hoje. Roseiras, ainda quero plantá-las aonde vou. Meu irmão cometeu um crime contra as roseiras quando foi ser diretor de um colégio estadual, mandou arrancá-las, substituindo-as por plantas brasileiras, como se copiar o gosto de Burle Marx fosse fazer predações. Como se não fosse possível conciliá-las, as rosas eternas e as plantas locais. Rosas são universais. Este meu irmão me ama mas eu travo com ele discordâncias culturais profundas. Luiz Carlos Prestes cultivava rosas, ainda acho imperdoável meu irmão ter mandado destruir um jardim de rosas. Como não compartilho o pragmatismo dele, seu petismo ortodoxo, sem visão crítica nenhuma. Causa de discussões inflamadas com meu pai, um homem conservador, mas mais interessante do que qualquer um de seus filhos. Meu pai morreu no dia 13 de outubro de 2002, foi dormir no sábado e não se levantou no domingo

Falava da cultura francesa em minha vida de menina. Também conhecemos a França católica, orgulho das freiras. Jacques e Raïssa Maritain e todos os importantes convertidos do século XX (Paul Claudel, Bernanos, Jean Cocteau, músicos, como Eric Satie, depois fiquei sabendo que era cult) Joana d´Arc, Santa Teresinha do Menino Jesus. Santa Teresinha só vim a prestar atenção a ela agora, quando um padre alemão, representando um grupo teresiano de Algsburg, quis que uma editora não confessional publicasse uma biografia dela para jovens. Mas o que vale a pena é ler os textos originais de Teresa de Lisieux, o que acabei lendo e descobrindo toda grandeza. Teresinha não é apenas Teresinha. É Teresa, amada por Edith Piaf, Henri Ghéon, Julien Green e por Lygia Fagundes Telles, entre outros escritores, cientistas e filósofos. E pelo povo e pela classe média "alta" de Higienópolis, que prestigiam sua igreja na Rua Maranhão. Setembro é o mês de sua festa nesta igreja. Preciso ir lá, visitar e agradecer, pois Teresa de Lisieux, junto com João da Cruz, Teresa de Ávila e São Bernardo de Claraval tornaram-se os padroeiros da Musa. Todos grandes santos escritores de primeira linha, já ia me esquecendo de São Domingos. Destes, falta publicar textos de Teresa de Ávila e de São João da Cruz.

Falei em cultura francesa como se fossem lembranças leves e fragmentárias, mas todo o espírito francês impregnou-me e impregna-me a alma, embora meu espírito tenha-se universalizado em apreços por várias culturas e literaturas. Amo a literatura inglesa e seus poetas maiores. Mas a formação básica que me lançou às demais culturas, inclusive à brasileira, foi o berço espiritual que me construiu a cultura francesa.

Quero publicar um livro de Jean Cocteau, uma peça de teatro, que já escolhi. Assim que tiver dinheiro.

Uma pessoa malcriada, a quem contratei para desenvolver um trabalho na editora, em face das dificuldades em ser editor independente sobretudo no Brasil em que os obstáculos à vabilidade do ofício são inúmeros, me insultou assim: "Mas esta mulher não tem dinheiro para nada!"

Realmente, eu não tenho dinheiro para nada. Sofro de uma profunda incompetência em buscar os incentivos para edição, pois me estaco diante de qualquer preenchimento de formulário. O inimigo são os trâmites burocráticos. Às vezes algumas coisas me caem do céu.

A França é meu coração. Coração que me expandiu para amar a literatura portuguesa, a literatura brasileira, a literatura universal. A França me deu o gosto universal pela cultura. Francófila não sou, mas o que seria de mim sem o berço da cultura francesa? Eu seria outra pessoa. Nem teria lido Hemingway com tanto respeito, nem teria saboreado "Paris é uma festa". Para mim a França é uma "festa móvel", carrego-a em todas as idades, com ela, o meu e os outros países. Li os clássicos infantis, mas agradeço não ter lido a chamada literatura juvenil digestiva difundida entre os colegiais brasileiros, caíram-me nas mãos diretamente os melhores contos universais, Guy de Maupassant, os poemas de Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Álvaro Moreyra, O Tempo e o Vento, de Erico Veríssimo, José Lins do Rego, nem sei o que foi ler poemazinhos de poetas pedagógicos. Guardo ainda na estante, Rimbaud. Esta é uma lição nesses tempos de banalidades (livros com atrativos de purpurina e arminho de pintinho tingido de rosa choque levados de porta a porta e expostos nas feiras dos eventos de incentvo à leitura, precisariam ser proibidos nestes eventos, não por censura, mas por inadequação e falsidade), dar a todos o melhor. É o que está fazendo a Prefeitura de Belo Horizonte, aprimorando a seleção. Sem pedir que enfeiássemos os livros de catálogo, os selecionadores os escolheram tal qual a designer idealizou para figurar nas estantes das boas livrarias, frequentadas por crianças com o privilégio de adentrá-las, que deveria ser direito de todas as crianças, o de frequentar livrarias.

Como deve ser privilégio de todas as crianças conhecerem a cultura francesa, neste Ano França Brasil e em todos os anos que são e serão França Brasil, muito além da efeméride, que passa mas mobiliza-nos a ler, por exemplo, Jean Paul Sartre. Ia me esquecendo, visitar os quadros da pintura francesa, em livros, museus e exposições temporárias que passam pelo Brasil. O cinema francês, mostrá-lo para o povo brasileiro, com legendas, naturalmente. Que a Net não cometa o equívoco de nivelar por baixo a TV a cabo, o que já vem fazendo. Se não bastasse o mau circo da TV aberta, salvo exceções. Cultivar a inteligência, é o que nos ensinava a cultura francesa. Ainda nos ensinará, nos tempos que se pautam pelo joio da mediocridade? Certamente o bom acervo é o que persiste, o que se levanta acima do lixo com a aura da eternidade. O que não se queima. Trigo. Faz-se pão do espírito.

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