Friday, August 24, 2007

O rito da ameaça

Antes de iniciar o post, preciso colocar uma epígrafe, que é um verso de Fernando Lemos, poeta, advogado, fazendeiro, residente em Três Corações, Minas Gerais, cidade de amigos queridos como Zélia Chediak, Brás Chediak, Paulo Chediak. Surpreendeu-me a qualidade da sua poesia, uma figura de ouro.
"A traição da falsa luz" (Fernando Lemos)
Um verso que eu gostaria de ter escrito. Sintetiza experiências desagradáveis, como deslealdades de pessoas que de um modo ou de outro prestigiamos. Dissimuladas traições a nossa confiança. Ações mesquinhas de invejosos. O pecado de vermos oásis onde é só deserto. Nossas pérolas atiradas aos porcos. Porque acreditamos no interlocutor errado ou perdemos nossa cautela por ilusões fáceis. Aparências enganam, truismo verdadeiro. Mas meu post, hoje, é falar do rito da ameaça.
O rito da ameaça. Eu ia dar outro título: A cultura da ameaça. Mas como profanar a palavra cultura, cujo sentido maior está ligado ao ato civilizatório, à fruição artística e a toda carga agregatória que nos leva à comunhão em horas gratuitas, longe da degradação em curso? Cultura não pode ser sinônimo de barbárie. Não é o que produzem os "obradores de iniqüidade".
Em benefício de poucos (bancos, seguradoras, imobiliárias, companhias telefônicas, receita, concessionárias de rodovias, todo o poder econômico em aparato bárbaro), segundo meu amigo, professor da USP, tudo é "aprimorado" contra o cidadão.
Por causa do comportamento de alguns bandidos, somos tratados todos como bandidos. Impõe-se-nos aceitar acordos ou propostas ilegais, em função da pressa. Porque a extorsão vem a galope, mas o ressarcimento deve passar pelo crivo do crivo da burocracia.
Todos os ritos condenatórios se tornaram sumários. Porque existe uma licença pré-judicial para a ação banditícia contra a cidadania. Entre nós nos ameaçamos, esquecemos de ser civilizados, de negociar, de ouvir as partes. Há uma algazarra desrespeitosa. Nós precisamos é de cônsules, pró-cônsules, como tinham os gregos, hoje precisamos do Poder Judiciário com Justiça, não de parajulgadores ou assemelhados, como existiram os paramilitares. No tempo da ditadura política as pessoas caíam na clandestinidade. No tempo da ditadura econômica será que também nós, as pessoas de boa-fé, precisaremos buscar a vida na clandestinidade, para que a força bruta da Economia selvagem não nos tire a vida com todas as formas de confisco? Aliás, a vida digna ela já nos tirou. É a amiga dizendo, mulher de classe média com seu emprego, "levo uma vida mesquinha administrando meu salário em rumo de miséria". A miséria da classe média, indefesa e perseguida por procedimentos iníquos. Não há defesa. Soltaram todos os demônios. Vamos viajar pelas nuvens, como os impuros do Mistério-Bufo de Maiakóvski, rumo à Terra Prometida, depois de uma visita ao Inferno, que era melhor que o inferno no país deles e melhor que este inferno em nossa terra. Eles riram dos diabinhos, que não sabiam o que é a vida numa fábrica ou numa empresa brasileira, numa casa brasileira sobretudo da classe média urbana.
Não há defesa possível. Todos acenam ou respondem com ameaças. Perdeu-se o rito da diplomacia, substituído pela brutalidade. Mesmo entre os pares, nós, as pessoas cultas, até em nosso mundo editorial e nas universidades. Mesmo os que temos consciência, combatemos os maus modos e a truculência, agimos da mesma forma. Nosso presidente foi um negociador. É preciso ensinar o país a negociar.

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