Sunday, July 27, 2008

Ser editor, hoje, de apelos e abusos Olhos bem abertos

"Ler jornal, para mim, é rezar". Eu disse isso e repito. Porque o contato com o calhamaço impresso me leva à comensalidade, à mesa do mundo. Um editor que se preze deve assinar jornais e revistas, se estamos impedidos economicamente de fazer tantas assinaturas quantas queremos, pelo menos ler um jornal. Visitas à Internet não substituem o que concretamente pegamos com as mãos e engolimos a alma das notícias com os olhos. Mesmo as más notícias têm seu efeito, mover-nos além da inércia, pela indignação que nos leva a opinar, a refletir ou a agir, ou a nos mobilizar, a nos solidarizar com a ação de Murilo Salles para seu filme Nome Próprio:

"Veja meu filme antes que ele acabe. Como posso sobreviver ao massacre?"Diz o Caderno 2 do Estadão: "Dez dias antes da estréia, ele distribuiu 200 e-mails para amigos e conhecidos que, por sua vez, repassaram outras dezenas de mensagens com uma carta quase desesperada de Salles, falando da dificuldade em manter um filme em cartaz, superando a concorrência das produções americanas. " (...) "Ou o filme mantém a média de públicos da sala logo nos primeiros dias ou está fora de cartaz antes de emplacar a segunda semana. Isso é cruel. Um filme é um projeto de quatro anos que pode acabar em uma semana", analisa Salles." O apelo via Internet deu resultados, até O Marcelo Rubens Paiva narra a saga de Leandra Leal, atriz de Nome Próprio, humildemente panfletando na orla marítima do Rio de Janeiro para divulgar o filme. Contribuo aqui deixando o blog do filme: (nomeproprio.blogspot.com)

Faço a analogia com um vício que perdurou (ainda perdura) para a durabilidade de um livro na estante das grandes redes de livrarias: 40 dias. Caso não vendesse de acordo com o esperado, o livro era despejado de volta ao ostracismo dos depósitos das editoras. Foi a partir daí que a corajosa e lúcida Milena, da Livraria Leonardo da Vinci, cunhou a frase: "Livro não é yogurte, por isso não pode ter data de validade". Creio que isso já está mudando, pelo menos em teoria. Qual a besta-quadrada, vinda de outras áreas para a área do livro, que ainda ousará repetir o insulto tentando reduzir a vida de um livro, projeto de longo tempo e cuja vida não tem fim, se for livro bom?

"Na realidade, ninguém te dá atenção."

Esta frase arranquei do jornal da hoje, da entrevista de Paulo Coelho ao Ubiratan Brasil, pelo lançamento de seu livro O Vencedor Está Só. Imagine ele, uma celebridade, dizer isso: "Porque as relações não funcionam como se acredita, ou seja, você chega com um projeto inovador, empolga um produtor que decide investir. Na realidade, ninguém te dá atenção. Para minha surpresa quem define o que pode ser sucesso são as agências de tendências, que já sabem o que vai acontecer. Pessoas muito bem treinadas..." Deixo para o leitor investigar no site do jornal. Na verdade, nós é que temos de acender as lâmpadas de nossos projetos e ostentá-las com a mais alta teimosia, total perseverança. Porque o que só fazem, caçoam de nós. Você acha que ser editor, hoje, é receber atenção? Absolutamente, não. O marketing cultural dos bancos, por exemplo, não sabe que existimos. Com o trucidamento geral de empresas no Brasil, as editoras e livrarias independentes estão no centro do rumo ao matadouro, atiçadas pelos desprezadores do livro e da cultura em seus postos burocráticos. Nossa perseverança é não nos deixarmos ser conduzidos pela vara do vaqueiro rumo à fila do rebanho que se entrega para o açougue.


"Está chegando a hora de mudar a Lei Rouanet"

Da entrevista de Juca Ferreira (cotado para substituir o gigante da sensibilidade Gilberto Gil como ministro da Cultura), hoje, 2 de agosto de 2008, a Roberta Pennafort, em meio às notícias do Nacional, Estadão. Vou pinçar duas falas: "A gente não pode ter a renúncia fiscal como critério principal para financiar a cultura brasileira. (...) Queremos introduzir o vale-cultura, semelhante ao vale-refeição, e reestruturar os mecanismos de uso da renúncia." Comentário meu: Do jeito que é, lei de incentivo premia a esperteza mais do que a expertise. Contribui para belas coisas, mas também para acumular um lixo editorial de obras vazias. Vamos à outra fala, muito apropriada para nossos ouvidos sedentos de bela música, celebrando o avanço alcançado pela nova mentalidade cultivada pelo Ministério da Cultura: "A compreensão de que cultura é uma necessidade tão básica quanto comida, saúde e educação e, portanto, precisa de política pública, foi uma grandeza, uma lucidez."


"Ficou marcado por causa disso e passou a ser perseguido principalmente pelos guardas municipais."


"Eu me sentia injustiçada, pois há tanto crime mais horrível e as pessoas ficam livres."

"Quem já passou por isso sabe do que estou falando: é a vida da gente que vai toda embora."

"Eu sabia que qualquer pessoa pode pedir justiça em nome de alguém da família."

"Não entendo de lei, mas escrevi o que sentia e contei toda a verdade."

Estas são declarações de Sueli Tadeu da Rosa, funcionária pública, que recorreu pessoalmente ao Superior Tribunal de Justiça para obter habeas corpus em favor do filho preso pelo roubo de R$10,00. Conseguiu sensibilizar o presidente do STJ, ministro Humberto Gomes de Barros. Ela já havia contratado advogados e nada conseguiu, acreditando na inocência do filho continuou a luta, sem se conformar com a decisão local do tribunal paulista que indeferiu seu pedido. Comentário:

Seguramente foi a melhor e mais comovente matéria que li em jornal este mês, assinada por José Maria Tomazela. Não mando carta para o jornal, nunca publicam, para isso tenho este blog.


"Os riscos da banalização do poder de mando"

José Nêumane me comoveu com este seu artigo, de 23 de julho. Tirarei uma citação: "Eichman não era um monstro, mas um burocrata comum, interessado exclusivamente em se dar bem na vida." Nêumane diz que Hannah Arendt, em seu livro Eichman em Jerusalém -- Relato sobra a banalidade do mal, obra capital para o entendimento da banalidade do mal no século XX, argumentou "que o mal de nosso tempo não é produto de impulsos infernais, mas da indiferente rotina burocrática em nossa vida". Comentário: Ser editor, hoje, é sofrer o desprezo desdenhoso dos burocratas, verdadeiros torturadores da nossa espera. O socorro sempre chega tarde, com o paciente já sem forças, muitas vezes com a premência de ressuscitar os mortos.

"... defensores do direito de humilhar igualmente a todos"

Adoro ler carta de leitores. Mesmo que eu não concorde com grande parte das opiniões preconceituosas e desinformadas. Mas há leitores formidáveis, saídos do espírito das luzes.

No dia 16 de julho recortei particularmente uma carta, do advogado Milton Coutinho de Macedo Galvão, de Londrina, Paraná: "O princípio da dignidade. Li, ontem, logo pela manhã, a entrevista do exmo. sr ministro Gilmar Mendes (A%), de onde se apreendem, pelas respostas objetivas e não menos eruditas, todos os valores e princípios humanistas que instruem as Constituições mais civilizadas do mundo. "[Agora, o trecho que quero destacar] "Fico envergonhado e assustado ao ler as opiniões de autoridades, que, em verdade, revelam precária formação -- estultos decoradores de literaturas menores e néscios de entendimento -- defensores do `direito de humilhar igualmente a todos`" . Daqui parto para o editorial da mesma data: " Contra o abuso e o descontrole": "Dizia há meio século o udenista mineiro Pedro Aleixo que o mais temível das ditaduras não é o ditador, mas o guarda da esquina." Quem hoje são nossos guardas de esquina: pululam no cotidiano, em todos os níveis profissionais, amanuenses, bancários, motoristas de ônibus, todos os zumbis amestrados na nossa ditadura cotidiana do atendimento mecânico desumanizado.

Jornal do jornal

Eu não postei nada durante dias e queria falar de muitas coisas, fazer este jornal do jornal, celebrar o feito de Murilo Salles e da mãe coragem Sueli da Rosa, e me indignar com a incivilidade do País com relação aos seus cidadãos. Vivemos em um estado policialesco, em que legisladores iníquos fazem a farra, sem atentar para as causas que obrigam pessoas de bem ao engessamento econômico. Nunca vi época mais perversa, em que o poder de abusar é consagrado, vindo à tona os escroques de plantão e suas ações vis, em todas as atividades. Nunca a insegurança jurídica foi tão grande, o abuso de pequenas autoridades, tão execrável, a repressão econômica foi tão estimulada, dando poder ditatorial a todos os agentes que impedem as empresas de viver, os projetos de vingarem. Vale não a razão, mas irracionalidade dos porcos que pisam nossas pérolas. "Eu tenho um projeto", ser editor, hoje, parodiando Martin Luther King, "Eu tenho um sonho". Não se pode mais matar mais por isso.

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