Friday, October 24, 2008

Ser editor, hoje Ler jornal e a revista eletrônica Consultor Jurídico

Meu jornal do jornal

Lendo o Caderno 2 do Estadão de 22 de outubro, especialmente a matéria de Maria Hirszman "Meu trabalho é um grito contra a barbárie", sobre a abertura da exposição das esculturas feitas de árvores incineradas, de Frans Krajcberg, deparei-me no decorrer da entrevista com a frase emblemática, válida para todos nós que vivemos o mundo real, para o qual não se fala em socorro para as empresas, trabalhadores e pessoas que perderão, acossadas em seus direitos, seus projetos, seus empregos, suas jóias, suas casas, seu pão, até suas bijuterias; "Estou confuso, só sei que não se pode viver sem defesa nenhuma" (Frans Krajcberg). É assim que estamos vivendo no mundo real, neste país, sem defesa nenhuma. Sobretudo diante da violência moral. Violência econômica. Tudo dentro de um curto-prazismo arrasador. Daqui uns dias começaremos a cair na clandestinidade alternativa em busca dos valores perdidos.

Recebo também, via e-mail, a revista eletrônica "Consultor Jurídico". Muitos riem porque a leio e a levo a sério. Para dizer porque levo a sério a "Consultor Jurídico" leiam abaixo o artigo do advogado criminalista goiano Manuel Leonilson Bezerra. Vou grifar o que me remeteu ao desabafo de Frans Krajcberg, também meu desabafo (não há defesa diante da legalidade ilegítima, até ouso dizer, diante de um fundamentalismo legal que torna a vida sem lei para os que vivemos no Brasil real). Artistas não são respeitados. Quem se lembrará de socorrer os pequenos e médios empresários, os trabalhadores, nessa crise financeira global? Há muito tempo crise local para o verdadeiro Brasil Real.

Temos que começar com a insurgência da palavra. Quero dá-la a muitos neste espaço, por transcrições ou mesmo serão bem-vindos comentários ou colaboração independente de uma palavra inédita que possa nos ajudar nessa resistência ao horror vigente, o mercenarismo em vez da lealdade. O lobo tudo pode ao acusar o cordeiro. Iterdita-lhe qualquer direito de contestação. O lobo imputa seu próprio pecado ao cordeiro, suja-lhe a água e o acusa. "Estou confuso, só sei que não posso viver sem defesa." Ave, Frans Krajcberg!, não podemos.


Ordem mundial
Crime é a nova forma de funcionamento da sociedade

por Manoel Leonilson Bezerra Rocha

O delito tem-se convertido em uma das formas de funcionamento da sociedade global, e requer a utilização de uma tecnologia de ponta para que tenha êxito. Os delinqüentes das altas esferas utilizam com maestria os meios que a sociedade lhes dispõe para infiltrar-se nas estruturas legais da economia e das finanças mundiais. Nunca vão à prisão ou são condenados. O Estado de Direito, que acreditávamos estar assentado e destinado a avançar ao mesmo ritmo que o crescimento econômico e os avanços tecnológicos, titubeia.
Uma evidência salta aos olhos, ainda que seu enunciado seja um tabu: as finanças modernas e o crime organizado sustentam-se mutuamente. Tanto uma como outro necessitam para expandir-se que se suprimam os regulamentos e os controles estatais. Em 1990, o Gafi, organismo criado pelo G7 para lutar contra a lavagem de dinheiro a nível internacional, fez as primeiras previsões do fluxo financeiro, estimando a cifra de 122 bilhões de dólares o volume total de negócios. Entretanto, há quem avance esta cifra aos 500 bilhões de dólares por ano.
Os mercados ilegais têm muito em comum com o resto das indústrias legais.
Existem compradores e vendedores, majoritários e minoritários, intermediários e distribuidores. Têm uma estrutura de preços, balanças, ganhos e, raramente, perdas. Ocorre uma terrível contaminação de toda a economia.
Estamos, portanto, ante uma mudança de perspectiva. Como existe uma esfera financeira desconectada da economia real, tudo o que ocorre nesse planeta virtual escapa por completo ao estrabismo convergente, ajudado, ademais, por uma forte miopia de policiais, juízes, políticos, banqueiros, empresários. Este universo incorpóreo navega pelos mercados financeiros burlando-se do espaço e do tempo, dos Estados e de suas polícias, do Fisco e de seus juízes. Logo estarão os demais, os honestos sobreviventes, com os meios insuficientes para escapar das duras leis da gravidade dentro da economia e da vida ordinária terrena.
Com os pés no solo, os que vivem no mundo real, e dentro da realidade da vida dura, estes últimos sempre têm quer prestar conta de algo ou têm algo a temer, e a polícia, os políticos ou os juízes, todavia, podem pegá-los. Neste reduzido mundinho, onde sobrevivem os simples mortais, vítimas de um sistema perverso e implacável, a policia persegue aos pequenos delinqüentes.
No grande universo das finanças virtuais, pelo contrário, já não há policiais, e os ladrões são tão e muito mais criminosos que os demais. Entretanto, não há promotores de Justiça com um discurso maniqueísta e simplório para persegui-los e encarcerá-los.
Em quase todo o mundo o processo de lavagem de dinheiro obedece às características muito peculiares. Entretanto, o Brasil, talvez em razão de sua herança político-cultural e acentuada disciplina das camadas mais pobres, oferece algumas características próprias.
Desta forma, existem incontáveis maneiras de lavagem de dinheiro e as mais comuns são aplicação no mercado imobiliário, “apostas” em cassino, apólice de seguros, sentenças judiciais, o empréstimo endossado, a revendedora de carros usados, o “ferro-velho” e, uma das mais bizarras, através de instituições religiosas (igrejas).
É incrivelmente surpreendente como, no Brasil, as instituições religiosas, ou igrejas, prosperam vertiginosamente, superando os setores produtivos que trabalham arduamente. Soa também curioso como é atrativo o poder político aos chamados “pastores”, “bispos”, “apóstolos”, tanto participando ativamente na vida política, quanto em estreita relação com os políticos mais influentes.
Ressalte-se que essa “bênção” não é um privilégio dos mercadores da fé no Brasil. Também na Espanha, na Aldeia Sevilhana de “Palmar de Troya”, despontou, de um simples casebre, um colossal castelo, tendo à frente um indivíduo que se auto-denominou “Papa Gregório” ou o “Papa de Palmar de Troya”. Investigações policiais descobriram que esta Igreja servia para lavagem de dinheiro. Vultosas somas eram “doadas” à igreja e depois era feita a inversão mediante o pagamento de comissão de, em média, vinte por cento.
A lavagem de dinheiro através dos mercados imobiliários, tal qual virou uma praga na cidade litorânea espanhola de Marbella, também constitui uma atrativa forma de despistagem de dinheiro no Brasil.
Como adrede citado, no mundo virtual, onde não existem policiais, juízes, tudo é só deleite, e a simbiose da inescrupulosidade reina absoluta. Sem riscos de perturbação ou ameaças de expulsão do paraíso onde, além de reinar a impunidade crê-se, tranqüilamente, que o crime compensa. Entretanto, as instituições precisam sobreviver, o poder político precisa manter-se para adestrar e conservar resignada uma grande legião de menos favorecidos, os que vivem à margem da cidadania. Para isso, defendem e instituem sanções penais mais severas e perseguem cruel e implacavelmente os suspeitos e autores de delitos pequenos, para meros efeitos de estatísticas criminais. Atacam os efeitos ignorando ou fingindo ignorar as causas.
Este é o cenário detestável do mundo real, oposto ao mundo virtual e paradisíaco dos afortunados criminosos insuspeitos e “honrados homens de bem”. A lei, com todo o seu rigor, a implacabilidade de alguns cegos promotores de Justiça, do engodo do adágio “dura lex sede lex”, do qual se valem verdugos juízes (que manda para a prisão e nela mantém o indivíduo que furta um frasco de xampu, uma lata de leite, etc), só existe para os sobreviventes do mundo real, dos que têm os pés no chão.
Os detentores do poder econômico, receosos do risco de alguma insurgência popular contra a ordem estabelecida ou contra o “Estado Democrático de Direito” (como tão profanamente usaram esta expressão durante o episódio da invasão do “Parque Oeste Industrial, em Goiânia, pervertendo o seu sentido), apelam pela instituição de penas mais severas, pela política do “tolerância zero”, pela indisfarçável “criminalização da pobreza”.
Enquanto reinar essa hipocrisia, que conduz a todos ao lamaçal do caos, onde até mesmo nos lugares mais insuspeitos, aqueles deveriam representar o último refúgio na busca de esperança aos oprimidos, as igrejas, passam a ser meros instrumentos de cooperação para com as idéias políticas dominantes e para com o crime organizado, onde a avareza afiada obtém generosos lucros às custas da fé cega, o resultado é que, não restam dúvidas, a paz para todos infalivelmente virá. A paz dos cemitérios.
Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2008
Sobre o autor
Manoel Leonilson Bezerra Rocha: é advogado criminalista em Goiânia (GO), presidente do Instituto Bezerra Rocha de Estudos Criminais (IbreCrim), professor de Direito Penal e doutorando em Direito Penal pela Universidade de Burgos, Espanha.
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