Saturday, October 11, 2008

PNBE 2009 - Concentração de títulos

Melhorou, melhorou, a proporção de escolhas para formação de acervos nos programas de compra de livros pelo Governo Federal (nos municípios ainda ocorre a inscrição, por uma editora só, de um número indiscriminado de títulos a cada formação de acervo), entre editoras grandes, médias e pequenas. Novos selos foram criados por grupos empresariais fortes para ocupar o espaço "perdido" com o teto do número de inscrições de títulos por editora estipulado no último edital do PNBE-2009.

A defesa agora (esta é uma sugestão de pauta para os cadernos de Cultura e Educação da Grande Imprensa paulistana, carioca e nacional) é: ouvir os atores do mundo do livro, não apenas parte ou se restringir aos dirigentes das associaçõs de classe. Houve matérias exemplares em certa época, que contribuíram para o avanço da virtude em detrimento de vícios na formação diversificada de acervos. (Havia concentração de autores muito conhecidos e ocupando vários acervos seguidos com a repetição dos mesmos e numerosos títulos de uma obra extensa e um marketing intenso.) Defender a literatura contra os arranjos e adaptações, porque há obras de grandes autores (conhecidos e desconhecidos) precisando ser descobertas pelos pais, professores e toda a ditadura de um gosto médio a atropelar a arte e a literatura. E as viseiras de muitos compradores de livros que só enxergam modismos. Em e-mails e telefonemas já recebemos apelos de professores pedindo o novo, o inédito além do óbvio. Vamos parodiar Rimbaud, "Por delicadeza, eu perdi minha vida". Se nos calamos temerosos ou para não desagradar à tagarelice usurpadora do interlocutor mais visto, a mediocridade barulhenta continuará a dar as cartas com sua esperteza, ruídos, cores berrantes e frases edificantes. E os verdadeiros defensores da arte e da literatura não se expõem (com medo das retaliações e pode-se sair ferido, sim), sem afrontar o ataque das reticências e das exclamações excessivas.

Portanto, se o edital do PNBE 2009 que avançou em olhar de justiça limitando o número de obras inscritas por editora, deve, por favor, providenciar a recíproca que é verdadeira: limitar o número de escolhas por editora na composição dos acervos. Isto, posto em edital, como aprimoramento necessário em defesa da concorrência. O que estaria implícito no princípio da isonomia. Corrigiu-se, quando houve insurgência, a concentração de autores e os mesmos títulos em vários editais seguidos. Há os que querem espaço para as editoras regionais, é justo desde que tenham editado bons autores locais e universais. Como cota de inclusão, simplesmente, é a cegueira carola se pronunciando, pois aspiram a fazer valer o que não se sustenta. Que se abram nas regiões fora do nosso eixo Natura e Lancôme editoras de bons livros. O autor é bom em São Paulo e em qualquer parte. Um autor bom nasce no mar ou na serra, no interior ou na capital. Para autor e livro, vale a qualidade. Aqui também se publica muito papel pintado levado de porta em porta e de praça em praça como se livros fossem. E as estatísticas celebram o quantitativo. Sejam bem-vindas as boas editoras regionais, já sabemos de muitas, de Santa Catarina a Goiás, em Salvador e lugares mais, com catálogos, inclusive compostos de obras universais dos mais renomados autores de todos os tempos.

Eu desejo fazer livros, que possam trafegar em todos os meios. Não quero fazer livros com receitas somente para agradar os avaliadores governamentais. Já acertei, fazendo o que quero, e o PNBE escolheu o livro editado.Vou inscrever sim as obras que fiz porque quis fazer, pelo seu valor universal. Participei de programas e gostei. O que me possibilitou editar mais e mais o que me parece literariamente relevante. Apesar de as gráficas terem subido seus preços além do necessário, aumentando absurdamente o custo da impressão e acabamento, nós que já temos de suportar descontos altíssimos sobre os preços de capa, amargamos o prejuízo ou mesmo a imposibilidade de cobrir os custos por termos de vender, apesar da escala, por um preço ínfimo. Como se não tivéssemos outros custos com altas faturas a honrar. No cotidiano, sustentamos a indústria da consignação, como financiadores sem podermos captar financiamentos adequados ao longo prazo com que opera a indústria do livro. Não adotada, felizmente, pela Livraria Cultura e suas lojas florescentes. Saraiva também compra. Fazemos milagres. Discordei de um editor que disse que ser editor é não fazer contas. Hoje acho que tem ele razão, pois se formos fazer contas, desistimos. Ser editor, hoje, é sofrer na contracorrente, teimar contra todos os desprezos, sobretudo dos bancos (sobretudo os oficiais) que estão aí para nos pregar armadilhas. Não há nenhuma linha de financiamento para a edição de livros.

Fazer livros com pretensas receitas para agradar avaliadores também faz parte dessa gincana cruel, que começa com as inscrições online, grande avanço, mas precisamos de mais tempo diante da fragilidade dos sistemas informáticos, caem a qualquer momento. Ser editor, para a Musa, é não se entregar a essa gincana cruel. Às pressões de uma competição a qualquer custo. Fazer livros não é um ato desportivo. Mas ter projetos verdadeiramente culturais. Civilizatórios. Éticos e estéticos. Não querer viver de encomendas, mas da descoberta do ouro que os bons autores apresentam. Preparar o surpreendente, receber o inesperado para editar como foram os casos de "Menino Retirante Vai ao Circo de Brodowski", o livro de poemas de Eric Ponty, com os quadros da infância de Portinari; "O Elefante Infante", de Rudyard Kipling, tradução dessa obra-prima de Rudyard Kipling (Prêmio Nobel de Literatura 1907), por Adriano Messias, escrita para crianças; "O Sapo Apaixonado", de Donizete Galvão, baseado em uma narrativa indígena e ao mesmo tempo em uma narrativa da tradição oral semelhante ouvida pelo autor em Borda da Mata, Minas Gerais: se um sapo grudar na mão de um menino só sairá dali quando houver uma trovoada. Sou muito grata aos autores, tradutores, designers e ilustradores, e mesmo revisores, como a Sandra Brasil no caso do "Elefante", todos com suas sugestões que culminam com o livro pronto, fazendo de cada edição um objeto único. Como no final do Evangelho da Samaritana, o editor colhe o que outros plantaram: "Uns são os que semeiam outros os que ceifam." Ser editor é ceifar o que não semeamos. Nessas edições sou muito grata ao Adriano Messias, ao Donizete Galvão, à Betty Mindlin (pesquisadora da lenda e prefaciadora do livro); ao Eric Ponty, ao João Cândido Portinari, ao Projeto Portinari, à Mariana Massarani, ao Fernando Vilela, à Sandra Brazil, ao Diego Barreto Ivo, aos físicos da Usp Patricia Bessa e Augusto Damineli Neto, pela ajuda na redação da nota (em O Elefante Infante) sobre a Precessão dos Equinócios; à Raquel Matsushita e Marina Mattos (projeto gráfico dos três livros infantis) e Juliana Freitas (diagramadora). E há os impressores. Sou grata a todos pelos livros únicos que comigo fizeram. Quem prestará atenção ao inédito dessas histórias? Alguns avaliadores já viram. A maioria, não. Os professores passam ao largo. Alguns param diante da banca nas feiras. São as exceções que apreciam. Pois a sutileza do trabalho da Raquel e Marina não grita. Mas eu insisto e os admiradores desses livros só têm aumentado. Deles todos somente o Kipling ainda não foi escolhido para compor acervos governamentais. Fiz uma provocação na Primavera dos Livros, este ano, no Centro Cultural São Paulo: "Este é o livro mais bonito da feira". Vendi a pilha de Elefantes Infantes. As pessoas pararam. Mães, avós, pais, pena que era o último dia. Se fosse no primeiro, teria atingido os professores com a minha frase gaiata, não, pois continuo dizendo: "Esta é a história mais bonita escrita para uma criança." Fala de uma viagem que talvez tenha durado 26.000 anos, o tempo de uma era. Somente para ter resposta a essa pergunta: "O que o crocodilo come no jantar?" Come editores, como eu, que prefere navegar na contracorrente do amor à Literatura e só quer fazer o que quer fazer, sem competições. Para agradar e pelo simples motivo de que bons livros possam receber a acolhida que merecem. Não o desprezo geral que se contenta com os modismos, as fórmulas gerais receitadas, o facilitário e o pedagogismo que prevalece sobre o literário. Também ainda persiste um "lobismo contratado", graças a Deus nem influencia tanto, pouco, mas atrapalha a virtude da diversidade, promovendo a concentração de títulos de poucos. Repito, colocar teto para escolhas, em edital, como há teto para inscrições.

Nessas bancas de feiras, em que expomos nossos livros, também temos a surpresa de encontrar avaliadores com a sensibilidade necessária. Pessoas surgidas à nossa frente, empreendedores da renovação dentro das universidades, bibliotecas e escolas ou de instituições diversas e programas arrojados, que têm olhos para o que gostamos de fazer. Por isso a participação em feira de livros é fundamental para editores e a Libre - Liga Brasileira de Editoras, cuja "Primavera dos Livros" recebe apoio de dinheiro público, precisa ir atrás das editoras que ficaram pelo caminho e agregá-las de novo ao grupo de participantes, abolindo todas as barreiras burocráticas, próprias de condomínio. A Primavera dos Livros, um evento agregador de pequenos editores que precisam dessa via alternativa para mostrar e vender seus livros, precede a fundação da Libre. O princípio da Primavera foi o agregar editores, buscando-os um a um no deserto em que nos encontrávamos. E, juntos, temos de nos incluir mais, cultivando a via originária de tudo que reivindicamos de virtuoso para o mercado editorial e conseguimos, em parte.


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