Monday, June 01, 2009

De Susan Boyle a escolhas governamentais de livros

A mulher mais feia
pode ser mais bela
que a mulher bonita

Estes são três versos de um livro que vou publicar, de minha autoria: "Viagem aos peitos de Babá", porque quando eu era adolescente descobri um conto de Aníbal Machado "Viagem aos seios de Duília", daí a paródia do meu título. Era um segredo editorial, que resolvi revelar, por causa de Susan Boyle.

Eu me tornei fã de Susan Boyle, estou entre os milhões que ouviram, ouvem e ouvirão sua voz nos seus vídeos espalhados pela rede mundial. Se ela perdeu a final do programa de calouros, porque o modismo de misturar atrações díspares como prática viciosa do entretenimento falou mais alto. O público médio pode acertar, mas no geral tem apenas critério de rebanho ou não tem nenhum critério. Susan não precisava mais ganhar o programa de calouros, embora cada admirador que a verdadeiramente ama torcesse para sua vitória na sua aparição repaginada, já não como uma caloura, mas como uma profissional que não queremos mais abandonar. Comprarei seu disco.

Susan não foi descoberta naquele palco. Ir ao programa foi sua grande cartada, pois tentava se apresentar e nunca era vista.

Envelheceu e engordou, adquiriu antes dos 50 uma aparência de 60. Ao cantar tornou-se jovem e bela, pois transfigurou-se em iluminação aos nossos olhos incrédulos e todos aplaudem. Virou uma tigresa vitoriosa, como disse o jurado Simon Cowell.

Diante de sua figura no palco eu me sinto orgulhosa e emocionada. Choro de alegria. Susan Boyle não é uma descoberta de um programa de calouros, simplesmente, mas comparecendo a ele, tornou-se um insight, provocou um insight em todo o mundo. Foi descoberta. E isto é tudo, ela é uma cantora profissional e esperamos que receba o tratamento de estrela com luz própria para que possamos tê-la em discos e turnês.

Tudo me faz lembrar a história de Abraão, que ouvi de Irmã Josefina na aula de religião. Abraão tinha 100 anos quando nasceu seu filho Isaac, o início de sua grande descendência, mais numerosa que as areias do mar e as estrelas do céu. Ele viu o dia e riu, e o riso de Abraão foi o nascimento de Isaac na velhice dos pais: Abraão e Sara. Ele esperou contra toda a esperança. Tornou-se os pai dos crentes. Na época, meio criança e já adolescente eu não entendia o que era esperar contra toda esperança. Começo a entender, por outros fatos e este de Susan Boyle, não há idade para se rir quando vemos o nosso dia, embora os tempos sejam difíceis e os obstáculos, a pedra de Drummond está sempre no meio do caminho. Os espíritos-de porco e desmancha-prazeres sabotam tudo. Susan Boyle transcendeu todo o burocratismo do marketing do entretenimento, ela foi ela mesma e a temos. Que ninguém nos roube Susan Boyle de volta ao anonimato. E não é uma celebridade instantânea no sentido lato, ela é um insight da nossa cegueira média que se tornou iluminação.

O que tem tudo a ver com as escolhas de livros para os programas governamentais. Temos de transformar nossa cegueira em insight. O politicamente correto domina os critérios ao lado de modismos de poesia confundida com mensagens edificantes. Além do jogo de interesses defendidos pelo marketing médio das editoras mais pragmáticas e economicamente potentes, que querem instrumentalizar tudo a seu favor. Se for preciso truncar um clássico, vamos truncar para caber no receituário do livrinho do "Literatura em Minha Casa", que graças a Deus foi tarde na forma que tinha. O importante é que os livros de catálogo chegassem às bibliotecas escolares e comunitárias, e estão chegando. E mesmo às casas, se houvesse verbas para isso. Hoje o Estadão traz matéria com opiniões diferentes, que relato outra hora. Destaco o que disse Ana Maria Machado, não para concordar totalmente. Ela fala que as escolhas precisam se pautar pelas listas prontas de instituições prestigiosas e respeitadas como o Instituto Brasil Leitor e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Não basta. A repetição de acervos do Mec foi gerado pela consulta única a essas listas. Concentração de autores e títulos, portanto, embora as referências sejam bem-vindas, precisamos sempre ir além, na busca do que não estamos enxergando. Como editor, hoje, tenho procurado fazer os que os outros editores não estão fazendo, buscando títulos e autores, sejam clássicos ou modernos, inéditos ou desaparecidos dos catálogos. Se um autor seu faz sucesso, todos correm atrás dele, muitas vezes violando-se a ética entre os pares. O critério do bem escrever sempre tem de prevalecer e a capacidade de descobrir Susan Boyle ou reconhecê-la quando canta, tudo o que possa ultrapassar o instantâneo do programa de calouros. Susan Boyle ultrapassou. Um bom autor e um bom livro podem não estar em uma lista. Em obras de ficção e poesia, prevalecer literatura, sem que o modismo e o politicamente correto lancem sua mão pesada. Bibliodiversidade. Eu também me espantava com os cartazes espalhados pelo colégio, enquanto vadiava pelos pátios e corredores, como aquele cartaz da Irmã Emerenciana para as suas catequistas: "Cada criança é um ser inédito, uma palavra de Deus que não se repete mais."
Eu queria saber o que era inédito. Cherchez le dictionnaire. Cada livro é um ser inédito, cada escolha, desde o editor, é uma escolha inédita, uma palavra de Deus que não se repete mais. Também Susan Boyle. Quem diria, eu que que rejeitei as freiras, escrevendo que elas eram ingênuas, já fora do colégio, estou homenageando-as. Irmã Josefina era outro papo. Por causa dela, bibliotecária, saí dos infanto-juvenis para a literatura universal de qualidade, autores brasileiros e estrangeiros. Embora meu pai nos comprasse grandes livros em casa.

Meu próximo assunto serão as feiras de livros que espocam por toda parte e junto com elas espocam as berrantes mercadorias dos vendedores porta-a-porta, livros que não são livros, mas quinquilharias impressas, vendidas a R$1,99. Embora haja muitos bons livros que não são vendidos, alguns divulgados como consolo à participação custosa por causa dos preços dos estandes, alimenta-se o público com o anódino dos papéis pintados que não podem alimentar espíritos nem intelectos, mas como atrair a atenção para aqueles livros que editados ainda são seres inéditos, cada qual uma palavra de Deus que não se repete mais? Livros de fundo, os fundamentos de todas as boas bibliotecas.

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