Thursday, July 09, 2009

Ser editor, hoje, solidariedade Culpa da editora?

"Sindicância culpa editora e consultora por livro 'impróprio", Estadão, 9 de julho de 2009, p. A16

Vou deixando de lado vários assuntos que quero postar. Vou adiando, falar de Feiras de Livros, falar das entrevistas necessárias como a da Maria Rita Kehl (até comprei o "Caros Amigos" só para ler), só falta comprar o seu livro "O Tempo e o Cão". Estou preocupada com a questão da velocidade no cotidiano, geradora de nossos percalços, que nos leva mesmo à injustiça contra nós e contra o outro.
Assim que terminar tarefas editoriais, compromissos que dessa forma não quero mais assumir, poderei ir devagar e degustar o trabalho no seu tempo necessário, a não submissão a pressões desmedidas e desnecessárias. Escolho fazer um livro de cada vez, os livros que escolher, sem estar a serviço da máquina curricular vigente. Afinal, optei por ser um editor de criação, não simplesmente editor de demanda. O público me interessa, criar novos públicos é meu sonho. O mercado com sua boca voraz não me interessa. Quero tocar com um prato único a resistência do coração médio do leitor, além das guloseimas óbvias, que só engordam. Cozinhar devagar. Tirar férias, hoje não posso tirar, tenho a pressão como cruz às costas. A pressão é irracional, ela nos insulta. Eu não quero mais ser insultada pelas pressões, isto Maria Rita Kehl me ensinou, ao lançar este livro que eu ainda nem li, li suas entrevistas. Ela levantou a questão da velocidade, que não nos dá escolha, na iminência de um desastre, atropelar um cão, ferir um amigo, sem podermos sequer parar para homenagear sem pressa, exercer a solidariedade não protocolar, tomar o café calmamente, uma enumeração sem fim, que nos pede a convivência gratuita, nós a abolimos dos nossos dias. Somos convidados para almoçar por interesse, quando não servimos mais ao interesse, não nos convidam mais. E o que falar dos mercenários insolidários?

Ai, o meu assunto: CULPAR A EDITORA pela escolha equivocada de um livro para a faixa etária inapropriada, pois o gratuito do palavrão, a insinuação sexual não são necessários às crianças de nove anos. A Editora não é culpada, simplesmente inscreveu seu livro no programa governamental, cuja liberdade de publicar é seu direito constitucional. O mesmo programa não viu Kipling, o Prêmio Nobel de 1907, que escreveu uma lindíssima história para sua filha Josephine, de 8 anos, traduzida em português com o título "O Elefante Infante", ilustrações do famosos Fernando Vilela. Mistério dos mistérios, mas nem essa cegueira de não enxergar o ótimo livro justifica culpar a editora. O que é preciso é mudar os critérios de escolha além do modismo temático e de gênero. O critério tem de ser verdadeiramente literário, independentemente de temas e de gênero.

O livro foi escolhido, porque hoje, a qualquer preço, precisamos introduzir nas bibliotecas o gênero histórias em quadrinho. O tema futebol vem a calhar, os autores são descolados, muitos talentosos, mas tudo assume o ar do moderninho. A Editora tem culpa na escolha ou pela não escolha? Que não se escolhesse para crianças pequenas o livro com apelações maliciosas. Pré-adolescentes gostam de piadas ( o importante é se as piadas são boas ou ruins). Censura, nunca, a editora não tem culpa. Quem escolheu, não leu. Ou mesmo quando um bom livro é descartado sem piedade, quem não escolheu também não leu. Quem viu, não enxergou.

Minha solidariedade total à Via Lettera. A editora não é culpada, o culpado é o sistema de escolha que consagra o modismo temático e de gênero, sem olhar o valor artístico literário da obra. Embora este livro da Via Lettera, com os apelos alegres do título da capa e enquadrado em um gênero em voga nas fórmulas pedagógicas para abastecer leituras, seja bom prato para as avaliações ligeiras em moda, nem precisa ler o livro, que os garotos maiores iriam bem gostar, por causa das piadas dúbias ou das meras gracinhas, mas tão inadequado para as crianças pequenas? Por que a editora tem que pagar?

Sempre querem que as editoras paguem por tudo, pela pressa e pela espera, sem direito a juros e correções monetárias, impiedosamente cobrados unilateralmente.

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