Friday, October 16, 2009

Sugestão de pauta: Mais Bibliotecas, menos pedagoteca

Eu cometo generalizações para "pegar" os vícios. O mercado do livro é um trigal. Abafado pelo joio. Não se consegue queimar o joio antes de arrancá-lo, separá-lo do trigo. Acontece que arrancamos o trigo e deixamos o joio . É o estrago que fazem quando não se sabe distinguir entre a planta e o invasor. Entre o poeta e o impostor. Melhor, entre a poesia e a impostura. Entre o apetite animal e a ceia compartilhada.

Na economia, concentração de riqueza. Na escolha de acervos, concentração de títulos de poucos catálogos. Não se enxerga o vício que faz minguar o pão da bibliodiversidade, que é o trigo para os bons livros, a melhor biblioteca.

Só nos resta clamar e aguardar a volta do eco ao grito no trigal, vamos todos fazer uma longa reflexão sobre as escolhas governamentais de livros. A imprensa noticiou os casos sensacionalistas e os erros burocrátcos, que tinham a ver com a olhada superficial dos avaliadores, valia o gênero, não os textos, talvez nem lidos. Abomino censura, mas o gosto estético tem de ser resgatado, sem moralismos. Ética é mais fundo, é par com a estética.

O FNDE tem de conversar de novo com os editores. Ouvi-los. A imprensa que já nos ajudou em momento anterior nesse aprimoramento, dentro dos Cadernos de Cultura, precisa abrir maior espaço para este fato, no momento em que o FNDE divulga sua escolha de acervo para o PNBE-2010. Faz-se urgente uma ampla reflexão, sobretudo sobre "avaliadores" de livros (perdão, bons e sensíveis avaliadores, preciso da generalização para apontar o joio ao capinador), na verdade profissionais de adesão ao comodamente à vista imediata.

Eu não reivindico para mim privilégios. Reivindico um acervo estendido capaz de contemplar as jóias do maior número de catálogos. Aprecio o que fazem meus pares e eu não sei fazer, repito, sei fazer diferente o que eles também apreciam, é a diversidade saudável dos muitos bons catálogos. (Preciso deixar claro, sou editora contemplada em vários acervos, mesmo contemplada entrei em todas as discussões públicas sobre as vendas governamentais de livros, pelo compromisso coletivo e pela bibliodiversidade a ser aplicada aos acervos. Somente fiquei pasma, em um caso que faço dele um teste pessoal, pela cegueira dos avaliadores federais e estaduais, diante de um conto de Kipling para crianças e que alimenta o prazer estético dos adultos, "O Elefante Infante", a mais primorosa das histórias, um livro que vale por mil livros infantis dos descartáveis. Os avaliadores municipais enxergaram, em Belo Horizonte e na Praia Grande, para fazer justiça no plano Federal, os avaliadores do Mais Cultura, do MinC/Biblioteca Nacional, também o enxergaram).

Esta é uma sugestão de pauta para todos os jornais e revistas, sobretudo para o Estadão que já fez bonito nesse aprimoramento das compras governamentais de livros.

A Libre baixou a guarda nesse assunto. Eu sou da Libre e não saí. Espero que voltemos ao combate público, do qual temos nos afastado mais por acomodação do que por cautela. Apesar dos falsos cuidados corporativos, não podemos nos calar, dentro de todas as virtudes do PNBE (é um programa virtuoso), sobre este atentado à diversidade dos acervos de livros, que é a concentração de escolhas nas mesmas máquinas, editoras grandes ou pequenas. Hoje, as editoras são geralmente máquinas, a serviço curricular acadêmico ou montando edições às pressas para atender às demandas das compras governamentais. A literatura é atropelada pela pedagoteca, pois respeito a Pedagogia, cultura e educação compartilhadas.

Vendo uma entrevista do João Moreira Salles, no programa Sempre Um Papo, ele falava da produção de uma reportagem na revista Piauí, sem pressa, no tempo que fosse necessário.

Esta é minha opção para o livro: Fazer um livro no tempo que o livro pedir. Depois mostrá-lo para o público, poder colocá-lo, sem compromisso, diante dos olhos dos avaliadores governamentais e eles enxergarem, independentemente do selo da editora, do lobby explícito ou disfarçado. Um selo é uma assinatura, uma grife, mas a avaliação deve ser para o livro.

Sugestão de pauta, sobretudo ao Estadão, Folha, O Globo e Jornal do Brasil, nos seus cadernos de cultura, fazer uma grande matéria reflexiva, não apressada, sobre as escolhas governamentais de livros. Quem são os avaliadores, sensíveis e insensíveis, o coração mediano ou o coração que bate pela excelência, apregoando a eterna frase de Caetano Veloso: Luxo para todos?

Mais bibliotecas, menos pedagoteca!

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