Um livro pode valer por mil livros "E a maravilha do inesperado?"
É a leitura dos jornais que me dita a "crônica" no blog, em geral. Leio todos os domingos a crônica da Danuza Leão, no cotidiano da Folha. Não preciso concordar com ela em tudo. Gosto da Danuza Leão. Gostei muito de seu livro, "Quase tudo". Eu o li, reli e dei de presente para Nicolina Rivelli, amiga italiana em visita, que o levou para a Itália. Eu comprei o livro na Livraria Duas Cidades, um pouco antes dessa "a mais elegante livraria do centro de São Paulo", fechar. Havia caminhos alternativos ao não fechamento, mas o desinteresse e a crueldade jurídica e a indiferença cultural, tudo o que conspira para matar o que precisa ser recuperado, baixaram violentamente as portas da Livraria Duas Cidades. É uma reflexão longa, mostrando-se soluções simples e construtivas, outras inovadoras, mas que o hábito de abater empresas de mérito cultural neste país é a saída fácil, pelos modos mais chulos e chocantes. A cruz dos romanos que castigava malfeitores a pregar nela os bens culturais e seus benfeitores, como fizeram com um Deus que emerge dos cueiros neste Natal, Natal das crianças,/Natal da noite de luz,/ Natal da estrela guia,/ Natal do Menino Jesus!
Eu cantava assim na minha infância, Danuza Leão, como seus filhos eu tinha uma bela mãe. Ainda tenho.Conserva o talhe invejável.Parecida com você naquelas coisas que contava sobre jogos de lençóis das parturientes, a vida mais simples, o cotidiano bem cuidado, os mistérios e as histórias de família, sua vida é bem mais arrojada pessoalmente, num contexto cosmopolita, falo de valores e cultivos de modos e classe.O assunto aqui é outro. Livros. O que tem a ver livros com a sua crônica de hoje? Tudo.
"E a maravilha do inesperado?" É a frase que buscava nesta angústia em que estão envolvidos nestes dias meus colegas de ofício, editando livros às pressas, para que tenham 12 títulos para inscrever no último edital do PNBE. É a competição via gincana cruel. Deveríamos ter mais tempo para inscrever. As pessoas enlouquecem. A virtude do limite, resultado de aprimoramento do edital: são 12 títulos que cada editora, grande ou pequena, têm o direito de inscrever. Mesmo assim as pessoas enlouquecem. Resolvi não enlouquecer. Vou inscrever o que tenho, se for um livro, um livro. Mas um livro feito para todo o público, obra de fundo de catálogo, que tanto pode contemplar as bibliotecas montadas por escolhas governamentais,como as bibliotecas domésticas e a livre escolha de um só. Quartim, em seu artigo no Estadão de ontem, informa a quantidade de livros que saem por dia, em massa, isto assusta os livreiros. Muitos desses livros são dispensáveis, como são dispensáveis muitas obras pseudoliterárias,montadas para atender programas governamentais. É preferível um livro que valha por mil livros, mesmo que seja desprezado pela avaliação pedagógica da literatura.É melhor ser o prato único de um bistrô escondido, com autêntico sabor. Algo único a ser descoberto pela sensibilidade de um paladar. Lençol que se bordou por seis meses, saiu da alma da bordadeira, não de uma linha de montagem. É dos franceses a expressão, Casa Editora, não uma fábrica, linha de montagem. Não quero fabricar livros, embora precisemos de bons livros a mancheias. Produtos massificados para as bibliotecas escolares, empadinhas às pressas? São 12 títulos, o limite de inscrição, não temos 12 livros dignos para contemplar as crianças no Natal da Biblioteca da Escola, mandemos aquele livro que pode valer por mil livros. É único entre únicos, juntos. Que fiquem de fora as cooptações que geram concentrações até em editoras pequenas, que editam avaliadores e livros de suas associações edificantes. Nada pior que os carolas da leitura. Prefiro os bravos,os combatentes,há muitos. (Como a mulher que se chama Maria Antonieta Antunes Cunha, e produziu reflexões verdadeiramente universalistas e democráticas de como se devem pautar as escolhas governamentais de livros, dentro de uma diversidade justa e criteriosa levando ao público o inédito em vez das repetições do mesmíssimo em toda parte.) Um exército respeitável, que se sobrepõe a carreirismos e bibliografias infinitas para exibições curriculares. Cabe à Capes moderar essa aflição por publicações a qualquer custo, como se somente editar mais um livro significasse real contribuição científica. Há um sofrimento geral nessa gincana cruel.
O mais triste ocorre nos congressos de leitura, no melhor congresso, por exemplo: as pessoas chegam, as jovens professoras muito simpáticas chegam, pedem um livro, você mostra a boa história, uma diz, outra diz, quase todas dizem: "Sou contadora de histórias." E não ligam para a boa história. Juntam uma montanha de livrinhos rápidos, nem são histórias narradas. E levam a sacola cheia, deixando de lado aquele livro que pode valer por mil livros. Não são "contadores de histórias", mas repetidores de frasinhas.
Sei de muitas editoras com peças únicas. Livros com sabor inédito. "Os Filosofinhos", da Tomo Editorial, pertencente ao João Carneiro, hoje presidente da Câmara do livro do Rio Grande do Sul. Eu levei os "Filosofinhos" a muitas feiras, à Festa do Livro da USP, ao Cole, ao Rio de Janeiro, ao Colégio São Domingos, aonde possa levá-los, as pessoas se encantam, as crianças gostam, todos sorriem diante desses livrinhos, no formato 18 X 18 cm. Eu mesma levei-os à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, encontrei o João Carneiro, em 2007 ou 2008, entregando-os ao IPT para triagem e envio ao PNBE. João Carneiro veio visitar-me esta semana, falamos sobre compras governamentais, ele me disse, "nunca entrei". "E 'Os Filosofinhos'?" "Disseram-me que os avaliadores gostam de livros grandes, formatos grandes." "Então meu 'O Sapo Apaixonado' por isso não entra." Entrou em São Paulo, no Estado, entrou na Prefeitura, mas a compra de 57 exemplares para as Salas de Leitura do governo Cassab, até hoje não se concretizou.
Obrigada, Danuza Leão. "E a maravilha do inesperado?" Isto o que desejo buscar ao fazer livros.
Originais me caem do céu. Não procuro. Sonho. Gincanas não me atraem. Nem competições.
Faço apresentações. Ou a apresentação de um único livro. Amam ou desprezam. Sofro quando caçoam. Alegro-me com o olhar aceso defronte o livro exposto na mesa ou na roda ou estante da livraria.
Busco essa captação pelas sensibilidades. São raras, mas aparecem. Surgem da massa. Multiplicam-se às vezes.
"Faça a sua parte: pesquise, procure a ache aquele tecido -- seja ele modesto algodão ou mais caro brocado -- que é único; ou aquele restaurante modesto, numa rua escondida, onde vai encontrar uma deliciosa empada de camarão que poucos conhecem, pois ainda não foi descoberta pelos que fazem os guias (grifo meu)."
Obrigada, Danuza Leão. "...é esse o verdadeiro luxo." Para todos. Compras governamentais geram uma gincana cruel. "E a maravilha do inesperado?"
Eu cantava assim na minha infância, Danuza Leão, como seus filhos eu tinha uma bela mãe. Ainda tenho.Conserva o talhe invejável.Parecida com você naquelas coisas que contava sobre jogos de lençóis das parturientes, a vida mais simples, o cotidiano bem cuidado, os mistérios e as histórias de família, sua vida é bem mais arrojada pessoalmente, num contexto cosmopolita, falo de valores e cultivos de modos e classe.O assunto aqui é outro. Livros. O que tem a ver livros com a sua crônica de hoje? Tudo.
"E a maravilha do inesperado?" É a frase que buscava nesta angústia em que estão envolvidos nestes dias meus colegas de ofício, editando livros às pressas, para que tenham 12 títulos para inscrever no último edital do PNBE. É a competição via gincana cruel. Deveríamos ter mais tempo para inscrever. As pessoas enlouquecem. A virtude do limite, resultado de aprimoramento do edital: são 12 títulos que cada editora, grande ou pequena, têm o direito de inscrever. Mesmo assim as pessoas enlouquecem. Resolvi não enlouquecer. Vou inscrever o que tenho, se for um livro, um livro. Mas um livro feito para todo o público, obra de fundo de catálogo, que tanto pode contemplar as bibliotecas montadas por escolhas governamentais,como as bibliotecas domésticas e a livre escolha de um só. Quartim, em seu artigo no Estadão de ontem, informa a quantidade de livros que saem por dia, em massa, isto assusta os livreiros. Muitos desses livros são dispensáveis, como são dispensáveis muitas obras pseudoliterárias,montadas para atender programas governamentais. É preferível um livro que valha por mil livros, mesmo que seja desprezado pela avaliação pedagógica da literatura.É melhor ser o prato único de um bistrô escondido, com autêntico sabor. Algo único a ser descoberto pela sensibilidade de um paladar. Lençol que se bordou por seis meses, saiu da alma da bordadeira, não de uma linha de montagem. É dos franceses a expressão, Casa Editora, não uma fábrica, linha de montagem. Não quero fabricar livros, embora precisemos de bons livros a mancheias. Produtos massificados para as bibliotecas escolares, empadinhas às pressas? São 12 títulos, o limite de inscrição, não temos 12 livros dignos para contemplar as crianças no Natal da Biblioteca da Escola, mandemos aquele livro que pode valer por mil livros. É único entre únicos, juntos. Que fiquem de fora as cooptações que geram concentrações até em editoras pequenas, que editam avaliadores e livros de suas associações edificantes. Nada pior que os carolas da leitura. Prefiro os bravos,os combatentes,há muitos. (Como a mulher que se chama Maria Antonieta Antunes Cunha, e produziu reflexões verdadeiramente universalistas e democráticas de como se devem pautar as escolhas governamentais de livros, dentro de uma diversidade justa e criteriosa levando ao público o inédito em vez das repetições do mesmíssimo em toda parte.) Um exército respeitável, que se sobrepõe a carreirismos e bibliografias infinitas para exibições curriculares. Cabe à Capes moderar essa aflição por publicações a qualquer custo, como se somente editar mais um livro significasse real contribuição científica. Há um sofrimento geral nessa gincana cruel.
O mais triste ocorre nos congressos de leitura, no melhor congresso, por exemplo: as pessoas chegam, as jovens professoras muito simpáticas chegam, pedem um livro, você mostra a boa história, uma diz, outra diz, quase todas dizem: "Sou contadora de histórias." E não ligam para a boa história. Juntam uma montanha de livrinhos rápidos, nem são histórias narradas. E levam a sacola cheia, deixando de lado aquele livro que pode valer por mil livros. Não são "contadores de histórias", mas repetidores de frasinhas.
Sei de muitas editoras com peças únicas. Livros com sabor inédito. "Os Filosofinhos", da Tomo Editorial, pertencente ao João Carneiro, hoje presidente da Câmara do livro do Rio Grande do Sul. Eu levei os "Filosofinhos" a muitas feiras, à Festa do Livro da USP, ao Cole, ao Rio de Janeiro, ao Colégio São Domingos, aonde possa levá-los, as pessoas se encantam, as crianças gostam, todos sorriem diante desses livrinhos, no formato 18 X 18 cm. Eu mesma levei-os à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, encontrei o João Carneiro, em 2007 ou 2008, entregando-os ao IPT para triagem e envio ao PNBE. João Carneiro veio visitar-me esta semana, falamos sobre compras governamentais, ele me disse, "nunca entrei". "E 'Os Filosofinhos'?" "Disseram-me que os avaliadores gostam de livros grandes, formatos grandes." "Então meu 'O Sapo Apaixonado' por isso não entra." Entrou em São Paulo, no Estado, entrou na Prefeitura, mas a compra de 57 exemplares para as Salas de Leitura do governo Cassab, até hoje não se concretizou.
Obrigada, Danuza Leão. "E a maravilha do inesperado?" Isto o que desejo buscar ao fazer livros.
Originais me caem do céu. Não procuro. Sonho. Gincanas não me atraem. Nem competições.
Faço apresentações. Ou a apresentação de um único livro. Amam ou desprezam. Sofro quando caçoam. Alegro-me com o olhar aceso defronte o livro exposto na mesa ou na roda ou estante da livraria.
Busco essa captação pelas sensibilidades. São raras, mas aparecem. Surgem da massa. Multiplicam-se às vezes.
"Faça a sua parte: pesquise, procure a ache aquele tecido -- seja ele modesto algodão ou mais caro brocado -- que é único; ou aquele restaurante modesto, numa rua escondida, onde vai encontrar uma deliciosa empada de camarão que poucos conhecem, pois ainda não foi descoberta pelos que fazem os guias (grifo meu)."
Obrigada, Danuza Leão. "...é esse o verdadeiro luxo." Para todos. Compras governamentais geram uma gincana cruel. "E a maravilha do inesperado?"
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