Saturday, March 13, 2010

José Mindlin e a Musa Editora - Homenagem perpétua



Minha avó plantava saudades perpétuas. Pareciam dálias, flores lilases. não as roxas, saudades dobradas. Seu jardim era nos fundos da casa, ao redor da casa, as goteiras caíam sobre as hortênsias (encontrei minha prima Marlene -- seu nome por causa da cantora--, nas férias, ela gosta também da lembrança desse jardim nos fundos), após ele vinha a horta. E os copos de leite ao redor do grande tanque. Em Minas. Era uma casa velha, foi derrubada, como foram criminosamente derrubadas outras casas, insubstituíveis e insultadas pelo modernoso de gosto duvidoso posto no lugar. Chamávamos casa velha, não casa antiga. A procissão da Semana Santa, com seu teatro de Maria Madalena e Verônica cantado, parava defronte na terça-feira, no dia da procissão do encontro. Mas a estação da janela da minha avó ostentava o quadro gigante: "Simão Cirineu ajuda Jesua a carregar a cruz". Era em Virgínia, Minas Gerais, no caminho das águas virtuosas: São Lourenço, Caxambu, Lambari, Cambuquira, Passa Quatro. Mamãe mora em Itajubá. Sou de lá, também de lá, Itajubá, onde tenho meus amigos e seus sólidos valores, a despeito do florescimento de todos os joios da esperteza em campos de trigo, pelo mais sórdido arrivismo, pelo culto ao dinheiro fácil e à esperteza. Nasci em Virgínia e meu avô materno Raul Ivo Moreira me registrou, como fazia com todos os primeiros netos.

Afinal quero homenagear José Mindlin, pelo homem que é, mais vivo quando morto, e pelo que fez à Musa Editora. Através da Diana Mindlin, um dos capistas da Musa de maior expressão, ele ofereceu exemplares de suas edições especiais para que figurassem no catálogo da Musa, os livros fossem vendidos e convertidos em novas edições. Compareceu aos lançamentos dos livros do Moacir Amâncio O Olho do Canário e Colores Siguientes. Foi também ao lançamento de Vozes e Silêncios, do bom poeta frei dominicano português, que passou temporada no Brasil, no convento das Perdizes, José Luiz Monteiro, hoje bibliotecário num convento medieval da Ordem, na França.

Diana Mindlin trazia com ela o carinho do pai para os livros da Musa. Reconheço-me ainda inexperiente com os negócios, pois fazer livros também é vender livros, encontrar o seu público, mesmo para aquele livro para o qual imediatamente não haja público. Mesmo para aquele livro que vá encontrar seu público "em termos de posteridade" (esta expressão é de Antonio Candido).

A Musa se mostrou de forma cabal pela edição pioneira no Brasil da História de Florença, de Nicolau Maquiavel, sugestão do professor da Universidade Federal de Santa Catarina, ao tradutor Nelson Canabarro. Baseada na capa da edição princeps, do Renascimento, Diana fez a capa antológica, clássica a capa como é clássico o livro. Fazia-se edições de O Príncipe, hoje já surgiu uma nova edição de Istories, sem assinatura do tradutor, ao gosto de um tipo de público, mesmo acadêmico que gosta de oralizar e pretensamente modernizar o estilo de um forte, elegante mas não obscuro texto de época. Diana fez outras capas que são permanentes pela solidez estética: Mulherzinhas, de Louisa May Alcott, o clássico para jovens mulheres, muitas vezes levados ao cinema, com grandes atrizes. Antologia de Antologias, os dois volumes de poesia e prosa, ainda cartões de visitas, nas livrarias como nos sebos. A capa de Vozes e Silêncios, também capa e projeto gráfico do italic;">Ouvir Wagner: Ecos Nietzschianos, de Yara Borges Caznók e Alfredo Naffah Neto, sobre a formação do Ouvinte. O arquiteto Rodrigo Mindlin fez a capa de Horácio, poeta da festa, Navegar não é preciso, 28 Odes latim-português, um livro de autoria do latinista e professor Dante Tringali.

Quando o poeta Donizete Galvão trouxe para a Musa publicar seu primeiro livro infantil, O Sapo Apaixonado: Uma história baseada em uma narrativa indígena, Betty Mindlin escreveu a Apresentação.

A Musa continua pequena e frágil. Por razões econômicas. Por incompetência em se expandir e cair na esperteza de publicar a qualquer preço. Sua escolha é um caminho penoso mas perseverante. E hoje que sua editora passou a enxergar com a experiência, levava-se apenas pela intuição ora sábia ora ingênua, agora que deixamos a idade da inocência para a idade da experiência, a Musa sabe o que quer e quer fazer tudo de uma maneira compromissal, abissal, não deixar-se morrer, ser sólida. Devemos tudo isso ÀS PESSOAS QUE NOS APOIARAM PELO CAMINHO, COM CUMPLICIDADES NO PROJETO DE MUSA EDITORA,entre todos (Carlos Clémen, Raquel Matsushita, Marina Mattos, Dante Tringali, Livraria Cultura, Livraria da Travessa, Livrarias Saraiva, Acaiaca), a atenção e delicadezas especiais de JOSÉ MINDLIN, o homem sensível, o intelectual sensível, ambos gentis, sua tranquilidade a alegria.

O que tenho, de Minas, das inscrições nas lápides, Saudades perpétuas, das dobradas, minhas e dos seus. SAUDADES DOBRADAS, flores lilases, não roxas, como dálias, plantadas por minha avó. Obrigada.

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