Livros de Catálogo ou "materiais feitos de uma hora para outra" para atender aos editais das compras do governo?
Tenho pensado nisso há dias. Venho ruminando essa história desde que postulou-se a ideia do receituário das mentes "pedagocistas" (respeito os pedagogos, não o pedagocismo) para que obras de literatura fossem adaptadas a formatos predeterminados.
Em certa época, após reuniões e reuniões em comissões que combatiam o receituário carola em nome da difusão da leitura entre as casas carentes do universo escolar brasileiro, celebramos a volta dos livros de catálogo às compras governamentais, uma reconquista cuja voz mais alta ecoou a partir de editores da Libre. Mas havia uma comissão na CBL, coordenada pela Rosely Boschini, que insistia nesse justo retorno ao sortimento dos catálogos, um direito usurpado às crianças mais carentes da escola pública, sem acesso às livrarias, na companhia dos pais. Uma forma de exclusão. O principal argumento, pois, era que o livro de catálogo, não a fórmula simplificada e muitas vezes de gosto indigente, constitui direito de todas as crianças, ricas e pobres, da escola particular e da escola pública, da cidade e da roça, do Sudeste e do Nordeste, do Sul e do Norte, todas as crianças têm direito à edição cuidadosa de mercado, as mesmas que figuram nas vitrines das melhores livrarias. Estou falando do luxo do bom gosto, que pode estar também no despojamento inteligente. Sobre a atração de um bonito livro aos olhos de toda criança (todas as crianças são público-alvo de um belo livro feito para elas), lembro-me de um artigo escrito, li em uma revista sobre leitura, se não me engano, em que o autor falava de um menino pobrezinho contemplando um belo livro através da vitrine de uma livraria da cidade, aonde seus pais, como os pais de outras crianças, não o levavam. O texto nos conduzia ao mesmo direito que este menino tinha, como todos os meninos, independentemente de sua classe social, de folhear e ler o bonito livro. Um livro bonito é para todos. Quem assinou este artigo foi o professor Percival de Brito, que contraditoriamente apoiava a fórmula restritiva do falecido programa "Literatura em Minha Casa".Independente disso, é um dos mais sensíveis avaliadores da boa literatura para crianças no Brasil. É a boa influência que os avaliadores da prefeitura que acham que o autor da literatura nacional ou universal não é conhecido se eles não o conhecem. Nunca ouviram falar. Desinformações a corrigir.
Havia também o problema de clássicos truncados para caberem no número de páginas estipulado pelo programa. Decepar trechos das narrativas mais conhecidas, isto eu vi.
A violação do princípio da isonomia, a diversidade e a universalidade de títulos e autores comprometida. Ilustradores insatisfeitos. Tanto se fez que fomos recebidos por dois ministros. As nossas reivindicações examinadas e atendidas. Voltaram os livros de catálogo aos programas governamentais.
Livros de catálogo, podemos celebrar em parte. Há novos subterfúgios e cooptações. Livros de catálogo, direito de todos receber, direito do editor de mostrá-los e vendê-lo. Livros de catálogo, neles está o papel do editor que não podemos negar. Sem livros de catálogo, que tornam visível o perfil da editora, o juízo e talento do editor, não há mais editor. A autoedição não se sustenta como projeto continuado. Não há mais ofício da edição, sem o catálogo saído da paixão do editor, seu projeto e assinatura. É a negação do ofício e da autoria. É a sabotagem do trabalho do ilustrador e a negação do designer. Não há mais livro, nem sua singular autonomia. Um livro não repete outro livro. Um editor não pode repetir outro editor. Um autor que encontra seu público, mesmo em termos de posteridade, tem de ter seu texto lido integralmente. Cabe ao leitor fazer seus saltos, para voltar depois, não ao pseudoeditor truncar a escritura para seguir a receita. À edição de um livro não se aplica o conceito do genérico (remédios são fórmulas). Editar livro é projetar a criação, tanto do editor, como do autor, como do ilustrador, como do designer, mesmo o gráfico, todos os atores presentes na feitura do livro que, no seu aspecto material, revela a Casa que o editou. Há um selo do editor. E o público conhece ou deve ser levado a conhecer, pois todos merecem a integridade do objeto único multiplicado numa tiragem, cópias e um só livro para cada um.
Livros de catálogo, sempre. Por que elegi este tema hoje? Pela leitura matinal da Folha e do Estadão. Na Folha, parei na matéria: "SP admite ter de usar professor reprovado". Ao lado dessa matéria, existia uma pequena entrevista: "pesquisador diz que resultado é constrangedor". Gosto de ler essas pequenas entrevistas complementares às matérias. Encontro nelas pérolas notáveis, que me trazem insights às minhas matutações editoriais e leiturais. O entrevistado é o pesquisador da USP, Ocimar Alavarse. O que me interessou mesmo foi ele ter dito, à última pergunta: "Como melhorar o corpo docente da rede?"
Resposta dele: "... Para os que estão na rede é preciso dar cursos. Como SP está fazendo isso? Com materiais feitos de uma hora para outra(grifo meu), cheios de erros, e ainda acusando o professor de não saber nada."
Com materiais feitos de uma hora para outra. Esta é a verdadeira pérola que me interessa. Materiais feitos de uma hora para outra. Não é mal só de São Paulo. É contágio nacional. Todos os programas governamentais de livros estão nos levando a essa idéia. Correr para fazer livros para inscrições. Barateá-los, como se certas práticas barateassem os livros de catálogo. Por que nesta fase de transição para a Nova Ortografia não podemos apresentar o mostruário com a antiga, e imprimir com a nova, os livros selecionados? Criam desequilíbrios para a vida do editor. Enchem-nos de acessórios para piorar as edições. E todos saem fazendo livros às pressas para inscrever em programas da hora, embora livros de catálogo apressados, não livros no seu tempo gestados. Para serem apresentados. Já disse neste blog, não vou enlouquecer como Van Gogh, cortando orelhas dos livros do catálogo. (Muitas vezes estas orelhas são deliciosamente escritas) e seguindo supostas receitas hoje nem dadas, mas somos sempre mais realistas que o rei. Um gráfico arrogante se ofereceu para eu adaptar algumas de minhas edições, pois a editora tal, muito prática, estava fazendo "cortes" para seus livros destinados às crianças recebedoras de livros do governo. Esta editora, competente e esperta, faz dois tipos de edição, uma para os pais que podem acompanhar suas crianças às livrarias, outra para as crianças do governo. Configura-se aqui um privilégio e uma exclusão. Isto é sério. Questão de dinheiro, para aumentar o lucro. Há mesmo um desequilíbrio, uma punição aos editores. De nós são exigidos descontos altíssimos, que muitas vezes o processo de escala pelas grandes tiragens nem cobrem. Pagamos direitos autorais e tarifas escandalosas aos Correios, elevadas a toda hora. Como são elevados os custos gráficos.
Crianças sem direito aos mesmos livros das outras crianças? Não, não faço duas edições distintas. Posso até fazer em caracteres ampliados a edição de um conto, mas aí é outro livro, com o mesmo cuidado para todos. Em todas as vezes que a Musa teve livros selecionados em programas governamentais, lá estavam inteiros os meus livros para todos, sem distinção, com o trabalho da designer intacto. Foi comprada a edição de catálogo.Obrigada, Raquel Matsushita, Marina Mattos, apreciaram o seu trabalho, os que têm sensibilidade e discernimento. E é bastante gente.
O governo não é simplesmente um nicho de mercado. Seus programas têm relevância cultural e educacional. São o melhor estímulo para que os editores apresentem seus livros de catálogo, livros como são. Frutos do bom ofício da edição, sem distorções ou amputações. Ou mesmo que criem, por sensibilidade à ampliação do público aos portadores de necessidades especiais, novas plataformas de leitura para seus livros de catálogo. Mas coisa boa não se faz de uma hora para outra.
Neste PNBE-2011, inscrevi um único título (eram dois, mas o outro não ficou pronto com a Nova Ortografia, não entreguei os exemplares para análise, por isso). Inscrevi um único título, de grande autor universal, para o ensino médio. Exemplares de catálogo. Livros de catálogo para todos os públicos.
Hoje fui à missa na capela da PUC (voltei a ir à missa, embora prefira buscar os cantos em latim do Mosteiro de São Bento,devo me juntar às pessoas na igreja como à platéia no cinema, no teatro, nos concertos, esta comunhão com a presença de outros me faz bem, eu que sempre me fecho, posso me abrir à cidade), li na Primeira Leitura, Ne 8,2, até roubei o folheto para copiar aqui:
"...Esdras, o escriba, estava de pé sobre um estrado de madeira, erguido para esse fim. Estando num lugar mais alto ele abriu o livro à vista de todo o povo. E quando o abriu todo o povo ficou de pé."
Fiquemos de pé para os verdadeiros livros de catálogo, feitos para todo o povo, para todas as crianças, do indiozinho das matas, aquelas que foram salvas pela doutora Zilda Arns e as desembaraçadas que entram mais bonita livraria da Avenida Paulista ou da Visconde de Pirajá no Rio de Janeiro. A mesma qualidade para todos. A mesma boneca com todos os braços para todos. Ou vamos amputar a cabeça da boneca para entregar um corpo? E as vestimentas que a todos encantam até o riso? Um livro também se veste, nesta "semana" (para redundar) do São Paulo Fashion Week, vale lembrar.
Em certa época, após reuniões e reuniões em comissões que combatiam o receituário carola em nome da difusão da leitura entre as casas carentes do universo escolar brasileiro, celebramos a volta dos livros de catálogo às compras governamentais, uma reconquista cuja voz mais alta ecoou a partir de editores da Libre. Mas havia uma comissão na CBL, coordenada pela Rosely Boschini, que insistia nesse justo retorno ao sortimento dos catálogos, um direito usurpado às crianças mais carentes da escola pública, sem acesso às livrarias, na companhia dos pais. Uma forma de exclusão. O principal argumento, pois, era que o livro de catálogo, não a fórmula simplificada e muitas vezes de gosto indigente, constitui direito de todas as crianças, ricas e pobres, da escola particular e da escola pública, da cidade e da roça, do Sudeste e do Nordeste, do Sul e do Norte, todas as crianças têm direito à edição cuidadosa de mercado, as mesmas que figuram nas vitrines das melhores livrarias. Estou falando do luxo do bom gosto, que pode estar também no despojamento inteligente. Sobre a atração de um bonito livro aos olhos de toda criança (todas as crianças são público-alvo de um belo livro feito para elas), lembro-me de um artigo escrito, li em uma revista sobre leitura, se não me engano, em que o autor falava de um menino pobrezinho contemplando um belo livro através da vitrine de uma livraria da cidade, aonde seus pais, como os pais de outras crianças, não o levavam. O texto nos conduzia ao mesmo direito que este menino tinha, como todos os meninos, independentemente de sua classe social, de folhear e ler o bonito livro. Um livro bonito é para todos. Quem assinou este artigo foi o professor Percival de Brito, que contraditoriamente apoiava a fórmula restritiva do falecido programa "Literatura em Minha Casa".Independente disso, é um dos mais sensíveis avaliadores da boa literatura para crianças no Brasil. É a boa influência que os avaliadores da prefeitura que acham que o autor da literatura nacional ou universal não é conhecido se eles não o conhecem. Nunca ouviram falar. Desinformações a corrigir.
Havia também o problema de clássicos truncados para caberem no número de páginas estipulado pelo programa. Decepar trechos das narrativas mais conhecidas, isto eu vi.
A violação do princípio da isonomia, a diversidade e a universalidade de títulos e autores comprometida. Ilustradores insatisfeitos. Tanto se fez que fomos recebidos por dois ministros. As nossas reivindicações examinadas e atendidas. Voltaram os livros de catálogo aos programas governamentais.
Livros de catálogo, podemos celebrar em parte. Há novos subterfúgios e cooptações. Livros de catálogo, direito de todos receber, direito do editor de mostrá-los e vendê-lo. Livros de catálogo, neles está o papel do editor que não podemos negar. Sem livros de catálogo, que tornam visível o perfil da editora, o juízo e talento do editor, não há mais editor. A autoedição não se sustenta como projeto continuado. Não há mais ofício da edição, sem o catálogo saído da paixão do editor, seu projeto e assinatura. É a negação do ofício e da autoria. É a sabotagem do trabalho do ilustrador e a negação do designer. Não há mais livro, nem sua singular autonomia. Um livro não repete outro livro. Um editor não pode repetir outro editor. Um autor que encontra seu público, mesmo em termos de posteridade, tem de ter seu texto lido integralmente. Cabe ao leitor fazer seus saltos, para voltar depois, não ao pseudoeditor truncar a escritura para seguir a receita. À edição de um livro não se aplica o conceito do genérico (remédios são fórmulas). Editar livro é projetar a criação, tanto do editor, como do autor, como do ilustrador, como do designer, mesmo o gráfico, todos os atores presentes na feitura do livro que, no seu aspecto material, revela a Casa que o editou. Há um selo do editor. E o público conhece ou deve ser levado a conhecer, pois todos merecem a integridade do objeto único multiplicado numa tiragem, cópias e um só livro para cada um.
Livros de catálogo, sempre. Por que elegi este tema hoje? Pela leitura matinal da Folha e do Estadão. Na Folha, parei na matéria: "SP admite ter de usar professor reprovado". Ao lado dessa matéria, existia uma pequena entrevista: "pesquisador diz que resultado é constrangedor". Gosto de ler essas pequenas entrevistas complementares às matérias. Encontro nelas pérolas notáveis, que me trazem insights às minhas matutações editoriais e leiturais. O entrevistado é o pesquisador da USP, Ocimar Alavarse. O que me interessou mesmo foi ele ter dito, à última pergunta: "Como melhorar o corpo docente da rede?"
Resposta dele: "... Para os que estão na rede é preciso dar cursos. Como SP está fazendo isso? Com materiais feitos de uma hora para outra(grifo meu), cheios de erros, e ainda acusando o professor de não saber nada."
Com materiais feitos de uma hora para outra. Esta é a verdadeira pérola que me interessa. Materiais feitos de uma hora para outra. Não é mal só de São Paulo. É contágio nacional. Todos os programas governamentais de livros estão nos levando a essa idéia. Correr para fazer livros para inscrições. Barateá-los, como se certas práticas barateassem os livros de catálogo. Por que nesta fase de transição para a Nova Ortografia não podemos apresentar o mostruário com a antiga, e imprimir com a nova, os livros selecionados? Criam desequilíbrios para a vida do editor. Enchem-nos de acessórios para piorar as edições. E todos saem fazendo livros às pressas para inscrever em programas da hora, embora livros de catálogo apressados, não livros no seu tempo gestados. Para serem apresentados. Já disse neste blog, não vou enlouquecer como Van Gogh, cortando orelhas dos livros do catálogo. (Muitas vezes estas orelhas são deliciosamente escritas) e seguindo supostas receitas hoje nem dadas, mas somos sempre mais realistas que o rei. Um gráfico arrogante se ofereceu para eu adaptar algumas de minhas edições, pois a editora tal, muito prática, estava fazendo "cortes" para seus livros destinados às crianças recebedoras de livros do governo. Esta editora, competente e esperta, faz dois tipos de edição, uma para os pais que podem acompanhar suas crianças às livrarias, outra para as crianças do governo. Configura-se aqui um privilégio e uma exclusão. Isto é sério. Questão de dinheiro, para aumentar o lucro. Há mesmo um desequilíbrio, uma punição aos editores. De nós são exigidos descontos altíssimos, que muitas vezes o processo de escala pelas grandes tiragens nem cobrem. Pagamos direitos autorais e tarifas escandalosas aos Correios, elevadas a toda hora. Como são elevados os custos gráficos.
Crianças sem direito aos mesmos livros das outras crianças? Não, não faço duas edições distintas. Posso até fazer em caracteres ampliados a edição de um conto, mas aí é outro livro, com o mesmo cuidado para todos. Em todas as vezes que a Musa teve livros selecionados em programas governamentais, lá estavam inteiros os meus livros para todos, sem distinção, com o trabalho da designer intacto. Foi comprada a edição de catálogo.Obrigada, Raquel Matsushita, Marina Mattos, apreciaram o seu trabalho, os que têm sensibilidade e discernimento. E é bastante gente.
O governo não é simplesmente um nicho de mercado. Seus programas têm relevância cultural e educacional. São o melhor estímulo para que os editores apresentem seus livros de catálogo, livros como são. Frutos do bom ofício da edição, sem distorções ou amputações. Ou mesmo que criem, por sensibilidade à ampliação do público aos portadores de necessidades especiais, novas plataformas de leitura para seus livros de catálogo. Mas coisa boa não se faz de uma hora para outra.
Neste PNBE-2011, inscrevi um único título (eram dois, mas o outro não ficou pronto com a Nova Ortografia, não entreguei os exemplares para análise, por isso). Inscrevi um único título, de grande autor universal, para o ensino médio. Exemplares de catálogo. Livros de catálogo para todos os públicos.
Hoje fui à missa na capela da PUC (voltei a ir à missa, embora prefira buscar os cantos em latim do Mosteiro de São Bento,devo me juntar às pessoas na igreja como à platéia no cinema, no teatro, nos concertos, esta comunhão com a presença de outros me faz bem, eu que sempre me fecho, posso me abrir à cidade), li na Primeira Leitura, Ne 8,2, até roubei o folheto para copiar aqui:
"...Esdras, o escriba, estava de pé sobre um estrado de madeira, erguido para esse fim. Estando num lugar mais alto ele abriu o livro à vista de todo o povo. E quando o abriu todo o povo ficou de pé."
Fiquemos de pé para os verdadeiros livros de catálogo, feitos para todo o povo, para todas as crianças, do indiozinho das matas, aquelas que foram salvas pela doutora Zilda Arns e as desembaraçadas que entram mais bonita livraria da Avenida Paulista ou da Visconde de Pirajá no Rio de Janeiro. A mesma qualidade para todos. A mesma boneca com todos os braços para todos. Ou vamos amputar a cabeça da boneca para entregar um corpo? E as vestimentas que a todos encantam até o riso? Um livro também se veste, nesta "semana" (para redundar) do São Paulo Fashion Week, vale lembrar.
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