Sunday, January 24, 2010

Leio a revista Piauí

Passo pela banca da Dona Matilde, na esquina da Rua Bartira com Cardoso de Almeida, e ela me reservou a revista Piauí.

Gosto também de ler Caros Amigos, não contraditoriamente,sou heterodoxa? Não me enquadro, não assino contratos de adesão (embora as regras bancárias nos obriguem a eles, ou melhor, as regras insuportáveis da vida financeira dos cidadãos, que não nos deixam margem de manobra, um se correr o bicho pega, se parar o bicho come), apenas tento preservar minha visão crítica e procurar abrir meus olhos de justiça. Quando o direito triunfará? Resumindo. Sou leitora de jornais e revistas, desde menina. As bancas (de revistas) me atraem, como um passeio. Já mantive conta corrente numa grande banca da avenida Paulista com a Pamplona, quando morava lá. Por mais que neguemos, nossa vida financeira de classe média piorou, eu economizo meus objetos de desejo em palavra impressa. Leio também na internet, mas não substitui o prazer do papel na mão, dormir com a revista e retomar sua leitura na madrugada. As visitas ficam lendo minhas revistas e os homens da minha família se sentam na sala com elas diante dos olhos, entretidos na longa leitura.

Eu leio a revista Piauí.Assunto especial hoje deste post. Neste número de janeiro senti falta dos poemas publicados.

Tenho grande respeito por João Moreira Salles. Não é respeito gratuito. Desde que o vino programa Sempre um Papo falando do processo de elaboração das longas reportagens com o tempo necessário, sem a pressão da fábrica (aí me lembro do professor Damasco Penna, proclamando a edição de um livro no tempo devido: "Isto aqui não é uma fábrica, mas Casa Editora -- Maison é expressão cara aos franceses, Maison Chanel, Maison d'Éditrice --). Nem preciso enumerar as longas e grandes reportagens que li com prazer de querê-las ainda mais longas. Foram feitas com tempo, fruto de uma saudável postura editorial.

Neste número de janeiro, li antes de todas as matérias, o depoimento da Ana Luisa Escorel, "A menina e a mãe", sobre Gilda de Mello e Souza. Já lera outro depoimento da Ana Luisa, em número anterior, sobre o pai, Antonio Candido. Um depoimento mais caloroso, sobre a mãe, mais cerimonioso, com toques de humor. Ana Luisa Escorel, uma esplêndida designer, dona da editora independente Ouro Sobre Azul, eu a conheço da Primavera dos Livros e da Libre -- Liga Brasileira de Editoras. Por ter opinião própria e visão crítica e olhos de justiça, ela se afastou do evento Primavera, mas não deixou a Libre. Vem reeditando a obra de Antonio Candido, que prestigia a editora da filha. Ana Luisa é muito amiga da minha amiga, Maria Antonia Pavan de Santa Cruz, a nobreza em pessoa, livreira e editora da Duas Cidades. Pessoas que precisam ser lembradas. Fazem a diferença entre o nobre e o ignóbil em termos de relações humanas, particularmente entre pares.

Destaco da memória de Ana Luisa Escorel sobre a mãe: "A mãe trabalhava bastante. (...)e, volta e meia, aceitava tarefas como a tradução de peças para teatro e ensaios, publicados em revistas acadêmicas ou de cunho cultural. Tarefas às quais se aplicava em ritmo pausado, construindo texto e ideias num tempo dilatadíssimo para atender à grande exigência interior de precisão e limpeza formal."(grifo meu) Esta citação vem ao encontro da questão do tempo necessário que busco para editar um livro, a revista Piauí para elaborar a longa reportagem, e assim reivindicamos a paz em nosso trabalho, sem sermos atropelados pela patologia da pressa. Urgência é outra coisa. Isto está coerente com o meu posto de ontem neste blog, Livros de catálogo, sabotados ou amputados para atender aos editais das compras governamentais de livros.

Leio a matéria da Daniela Pinheiro "A Verde", sobre a Marina Silva. Queria mais. Da grandeza da Marina, só não assimilo uma coisa: como ela foi virar evangélica? Um mistério para mim, que significa um desequilíbrio entre o arrojado e o primitivo. Uma contradição, eu fico interrogando, a minha vontade é ser bem politicamente incorreta. No catolicismo ela poderia ter encontrado o que procurava, se era católica. Por que não se despiu dos que promovem as distorções católicas. Terá ela encontrado a preciosa acolhida e generosidade entre os fiéis da Assembleia de Deus? Mesmo assim não entendo.

João Moreira Salles me surpreende como homem sensível de bom-caráter pelas entrevistas que dá sobre seu trabalho de documentarista. Eu o vi outro dia, no Canal Brasil, falando sobre a montagem de Santiago
Neste último número da Piauí, João Moreira Salles (que tem muito de uma ancestralidade mineira que conheço ou identifico e consigo entender), publicou a matéria escrita por ele mesmo, "Artur tem um problema: Como se forma um grande matemático." Li com total interesse. Primeiro que a Musa publica uma coleção "Musa Educação Matemática". Que agora acho restrita. Queria que fosse apenas, "Musa Matemática". Não vou reproduzr aqui tudo o que li e aprendi sobre o que é ser de verdade um matemático. Nesta minha ânsia pelo tempo necessário ao fazer meu trabalho, achei consolações e validações que vou citar, da fala de Artur Ávila, 30 anos, matemático brasileiro, veiculada nesta reportagem documentário escrito de João Moreira Salles, para a Piauí de janeiro:

"Não tinha ideia do que era fazer matemática. Olhei e disse: é isso." 'A competição não lhe agradava mais.' "Lá tudo tem solução, e a graça da matemática é a incerteza: você pode gastar anos lutando contra alguma coisa que talvez nunca se resolva." 'A pressa também o incomodava. Matemáticos não precisam tomar decisões urgentes e nenhum deles é forçado a provar uma conjectura até o fim do mês.' Matemática é feita com tempo, não existe a pressão. E eu gosto de refletir", 'diz Artur'. '(...) A única obrigação de Artur é produzir Matemática.' '(...)Para a maioria das pessoas, a utilidade da matemática parece óbvia: pontes, projeções econômicas, algoritmos de computador. Boa parte dos matemáticos acha essas aplicações desinteressantes.' '(...)Matemáticos falam não só em beleza, mas também em bom gosto, que definem como capacitade de detectar o que é importante. Desde muito cedo Artur mostrou ter uma percepção aguda para os grandes problemas. Elon Lages Lima [outro matemático] acha que essa é a maior qualidade dele: "(...) A gente existe para resolver o que nunca foi resolvido antes". Leiam a matéria inteira, nesta Piauí de janeiro.

Tudo isto vem ao caso, e forço a barra, na real solução para a entrada dos verdadeiros livros de catálogo, no conteúdo e na forma gráfica, nos acervos dos programas governamentais. Não estou falando da diferença entre uma edição mais cara em capa dura e a versão em brochura. Estou falando de um livro inteiro que pode ser saboreado primeiro pelo olhar através da vitrine de uma livraria ou em uma banca de feira literária como um objeto do desejo, democratica e universalmente satisfeito, um luxo para a degustação de todos.

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