Saturday, October 20, 2007

TRIAGENS

Sei que visitam o meu blog. Poucos deixam comentários por escrito. Por que não escrevem? Escrevam. Ficaremos todos felizes, eu muito mais.

Wilton Chaves já disse em seu comentário: Livro virou objeto de última necessidade. Por mais que celebrem o livro com a retórica dos eventos, ele diz a verdade.

O que vale mesmo é parar, pegar, folhear e comprar um livro. Visitar livrarias. Jamais se fiar em falsas estatísticas. Em ufanismos indiscretos. Nada disso importa. O que importa é ler um bom livro de um bom autor, muito longe dos 30 mais vendidos, um vício mecânico de rebanhos. Temos de garimpar os fundos de catálogo, lá estão os livros à espera de leitores na sua diversidade. Tem muita gente lendo porcaria e difundindo a porcaria como se fosse hábito de boa leitura. Da porcaria pode-se passar ao bom livro. Só por exceção. Como regra, é uma falácia. Quem lê porcaria vai continuar na mesma a vida inteira, porque seu discernimento está esgotado (sic) ou embotado.

Por isso, hoje, temos de prestigiar muito as chamadas editoras independentes, as livrarias independentes. O sortimento de títulos. A diversidade além da obviedade. A Mostra de Cinema de São Paulo é um exemplo, ela nos traz o inusitado, os filmes fora de fórmulas do mundo inteiro.

Mas o título deste post, Triagens, era para falar de outra coisa, era para contar sobre a burrice burocrática que barra no baile a obra-prima de um Prêmio Nobel, por causa de um pequeno número. É tão chocante que ainda não consegui escrever a respeito. Com nomes aos bois.

Falar de livro, mesmo em carta para grande jornal, não dá certo. Nem a Folha, nem o Estadão publicam comentários a respeito de matérias sobre livros e mercado editorial publicadas por eles mesmos em suas páginas. Escrevi para a Folha, ignoraram. Outros amigos escreveram, ignoraram. Nesta semana o Estadão trouxe matéria sobre compra de livros para o Ensino Médio, não entrevistou as editoras independentes, mandei carta (e-mail), cumpri o rito pedido pelo fórum dos leitores, ignoraram. Livro tem de ser notícia. O princípio da isonomia nos programas governamentais de compra de livros já está degringolando. Já está se operando uma triagem criminosa contra os bons autores por causa de norminhas burocráticas. O FNDE contratou o IPT para a triagem, o IPT se vê obrigado a rejeitar livros bons, por detalhes bobos impostos pelo FNDE, e bons livros não seguem seu caminho para a chamada avaliação pedagógica. Uma obra-prima para crianças, de autoria de um Prêmio Nobel, foi retida. É tradição editorial não se colocar o número da edição quando se trata de primeira edição. E este detalhe, não presente na obra inscrita (para o FNDE é regra colocar a menção, não importa que o livro já circule) boicota a avaliação do livro bem-editado. Fica-se sabendo meses depois. Segundo o IPT, bastava uma simples carta para flexibilizar a norminha burocrática, mas não foi pedida a nenhum editor. Foram muitíssimos casos, livros bons barrados no baile. Boa pauta para o Estadão, a Folha, o Globo, a Veja, a IstoÉ, a Carta Capital, a Época, o Jornal do Brasil, O Valor Econômico, a Gazeta Mercantil. Quem se habilitaria, mas sabendo ouvir as pessoas certas?

Tenho horror a leis de incentivo, a gincanas burocráticas (nem sou indisciplinada), pois não suporto nada que faça a alegria da mediocridade competitiva. Precisamos de mecenato de reconhecimento não de incentivos cruéis que tiram autores e artistas de seu labor para para se humilharem diante daqueles que nos desprezam.

Mandem comentários.

Ninguém pode esquecer a matéria de capa da revista Carta Capital sobre as compras de livros governamentais. Há muitos desdobramentos nela, que podem fazer prosseguir a discussão gerando novas matérias. Entrevistem os editores independentes, os livreiros independentes, pequenos, médios, alguns grandes, aí saberão como "as serpentes andaram" (este é um verso de Cecília Meireles). Amém.