Thursday, May 22, 2008

Após o roubo de um livro

Após o roubo de um livro


Marca


Escrúpulos Um pulo
tê-los ou não tê-los
vê-los ou não vê-los
Escrúpulos Um selo
ético no pêlo
13.03.2008

Eu queria chamar o poema acima Marca na vaca, lembrando o ferro quente gravado na carne do animal, para identificação do dono. Mas o que interessa é identificar onde não há dolo.

Constelações de barbárie

Levanto-me à noite, sem lugar, sem vida, sem chão, sem calma, sem pausa. Vivo um isolamento social e sou afável e vaidosa, pois de manhã saio com meus jeans ajustados e blusas várias. Mas nunca atravessei um tempo tamanhas trevas. Presa ao ventre da baleia, no fundo das águas Não vejo o mar. Como Jonas, grito a Jeová, ele me vomitará Do estômago do peixe para a terra firme? Nunca fui tão só em meio ao veneno das secreções Ambições nefastas e faltas Deus que é providência Apiedai-vos de nós Ainda assim sou feliz, ou privilegiada? Roubam minha casa e o sonho da Musa móvel Roubaram-me o automóvel. Lanço lamentações cifradas e eu quero falar claro o nome do horror, este vilão torpe entre meus pares, todos os vilões torpes entre meus pares, os editores Este um, o inominável, ato e pessoa, rouba o meu livro.

Já fede Lázaro no seu túmulo Para voltar à vida Espero a visita do amigo, o Filho de Deus chorar comigo este drama, já fede, mas a Noite dá para o Dia
Orvalho cai do escuro, o que levanta a rosa ao início da manhã Ao meu olhar passante Aparições nos galhos Todos os botões e as flores Não são prosaicas as cores São poesia nessas hastes Poesias carregam espinhos. De que adianta o poema sem espinhos? A rosa choca A poesia tem espinhos Só a verdade tem espinhos Vomitando pétalas em sua composição de rosa A condição de flor Eu sou aquela entre espadas e céu que me abriga esta terra e protege-me Ao relento deste quarto.

Friday, May 16, 2008

Devoradores, "livro para iniciados"

O autor de Devoradores, Astolfo Araújo, recebeu um interessante comentário de Luíza Freixinho, leitora de seu livro, um romance político policial, mas não só, pois com conhecimento de causa fala dessa idealista geração de esquerda de 1964, 1968, 1970, 1980, até os dias atuais, no Brasil, oferecendo em pinceladas o retrato dessa herança e do retrocesso de alguns filhos:

O que mais me impressiona no seu brilhante trabalho é a narrativa.
Não é um livro digestivo.
É para iniciados.
E por incrível que possa parecer senti uma certa nostalgia daquela época feita de absolutas certezas, principalemte quando vejo os anos oitenta e o que eles não fizeram.
Espero que a inteligênciaburrabrasileira se curve ao talento de Astolfo Araújo.
Parabéns!

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Sunday, May 11, 2008

1968 e o romance Devoradores

Hoje os cadernos de Cultura dos grandes jornais repetem a pauta sobre a efeméride 1968. O suplemento Cultura do Estadão é uma edição especial sobre o assunto: 1968/2008. Ótimo. Sobre 1968 eu transcrevi no blog breviario.org a orelha que Flávio Moreira da Costa escreveu para o romance Devoradores, de Astolfo Araújo, que a Musa Editora acaba de publicar e houve um lançamento na Casa das Rosas. Quem quiser saber sobre o livro visite o breviario.org/ludambula. Flavio Moreira da Costa, remanescente da geração 68, tem o que dizer. Ou, pelo Google, clique no hotsite Devoradores.

Daniel Piza fala sobre os remanescentes que agora vivem "nessa ladainha entre o desenvolvimento e a nostalgia". "Basta ver o que fazem de si mesmos." Daniel Piza com sua impertinência pertinência com opiniões na contracorrente tem razão. Na prática, muitos mudaram de lado.

O livro Devoradores é um exemplo de como uma história político policial, que envolve comunistas e anarquistas, leva ao crime um desses personagens cujos pais freqüentaram a Guerra Civil Espanhola. Aguns filhos começaram o 1968 em 1964, a militância em todas as classes sociais estendeu-se pelos anos 1970 e um ato de vingança gera uma seqüência de crimes entre os pares e amigos, de 1964 aos nossos dias. "Um criminoso vive entre nós." É o drama desses remanescentes de uma geração idealista, torturada, mas que hoje convive com a tortura econômica. Nunca deixamos de ser torturados. A narrativa enxuta, direta, do escritor durão Astolfo Araújo é apimentada com o cinismo sim de jovens nascidos de pais idealistas e da falsa militância "cultural" das pequenas atrizes que vão à guerra pela fama e sexo fácil ou casual. Quem descobrirá o assassino é Rodolfo, um velho e "decadente" diretor de teatro, culto imigrante polonês, convidado para uma revitalização cultural no Condomínio Mutirão.

Quem quiser ler o primeiro capítulo de Devoradores, do escritor e cineasta Astolfo Araújo, basta acessar o site da Livraria Cultura: www.livrariacultura.com.br/musa

Devoradores traz em si o que foi e o que é hoje a geração politizada de 1968. Ele próprio, o autor Astolfo Araújo, é um dos remanescentes. Os ingredientes são muito complexos, remontam ao antes (Guerra Civil Espanhola e por que não 1917) e ao depois (a nossa era da cybercultura).

Saturday, May 10, 2008

O livro na sociedade pré-consumo

O livro aqui vive ainda em uma sociedade de pré-consumo, a brasileira. Em um estágio de pré-consumo, em grande parte do mundo. Quando se anuncia a era do pós-consumo para outros bens duráveis mas "perecíveis pela obsolescência natural ou programada"que podemos trocar por novos, isto não é verdade para o livro no Brasil. A despeito de todos os avanços, da multiplicação de redes de livrarias, dos programas governamentais, dos blogs especializados. Há o fechamento de livrarias, tradicionais, históricas e novas. Ninguém se importa. O que vale é o estardalhaço do marketing, que não corresponde à realidade. À verdade. Às reais necessidades desse mercado vilipendiado e sem a política necessária, que contemple a bibliodiversidade, além do "mix" repetitivo em todos os pontos de venda em que o modismo prevalece às necessidades culturais da saúde cidadã. Já há público reclamando, pois bons leitores se incomodaram ao serem tratados como se suas necessidades de leitura se restringissem a alguns títulos da moda. Estamos com falta de livreiros, mais do que pontos de venda. Estamos com falta de livreiros nos pontos de vendas. Claro que precisamos da multiplicação de livrarias, grandes redes que acolham a diversidade (como a Livraria Cultura, Saraivas hoje e Travessa), o que não ocorre infelizmente em redes de outros pontos do Brasil, presas ao óbvio apenas. O interior do Brasil ainda é um deserto. Não há livrarias nas cidades médias e pequenas E a venda de livros porta-a-porta tem seu lado bom, teve seu lado melhor, quando vendia bons livros, hoje vende mais quinquilharias, produtos berrantes como coisitas de camelôs, brinqueditos horrorozinhos, como se fossem livros. Participando de uma feira de livros em Goiânia (onde vendi bons livros), fomos a um desses depósitos de empresário do livro porta-a-porta. Uma energia voltada à venda de milhares de livros-brinquedo-quinquilharia. Que desperdício. Faz tempo, mas essa tristeza carrego comigo. Há também as apostilas montadas com pedaços de nossos livros, um desrespeito aos catálogos das editoras, pois muitas vezes são cópias desvirtuadas. E ganham dinheiro com isso.

Precisamos criar o consumo de bons livros, em todo o país. Bons livros de catálogo. Respeitar os catálogos de todas as Editoras. Respeitar os autores, mantendo a fidelidade aos textos originais. Uma história é forma de contar, mais do que o fato. O respeito aos autores deve prevalecer mesmo que ele tenha optado pela permissão de divulgar seus textos de forma gratuita e para fins gratuitos, mesmo que sua obra seja de domínio público.

Havia no Estado de São Paulo um programa chamado "Biblioteca do Professor", uma programa da Secretaria de Estado da Educação. Por que não prosperou? Comprar livros para o professor é melhor do que fazer apostilas. Editoras estão recebendo solicitações para darem licença de uso de textos de suas obras para comporem apostilas que serão distribuídas aos professores. Fundações têm sido contratadas para isso. Não é mais fácil fornecer livros em amplo sortimento aos professores, revitalizando ou implantando nas escolas a "Biblioteca do Professor"? Isto é obra para o Ministério da Educação, obra para todas as Secretarias de Estado da Educação.

O Estadão, em um dos editoriais deste ano, elogiou as apostilas. O bem que fazem ao professor. Eu contraponho dizendo o mal que fazem à formação dos professores e ao mercado editorial, ao consumo necessário do livro. Se todos gritam pela sobrevivência, os editores também estão gritando pela sobrevivência. Ninguém sabe, ninguém imagina as dificuldades de um editor, sobretudo as dificuldades dos pequenos editores, que ousam fazer mais os chamados livros de oferta do que as obras de demanda. Com os livros de oferta, imprescindíveis, tentamos criar novas demandas. Isto fizeram os grandes editores do mundo (grandes em termos de notáveis pelas edições de criação), criaram demandas para a posteridade. Professores precisam de receber livros como seus alunos recebem por intermédio do Programa Biblioteca da Escola do FNDE, hoje contemplando o catálogo da maoria das editoras, grandes, médias e pequenas.Temos de levar o livro para o consumo, não sabotar esse consumo com quaisquer medidas que impeçam a sobrevivência do mercado editorial num estágio pré-consumo do livro, imagine então do consumo do bom livro.

Temos de tornar o livro objeto cotidiano do desejo, não sabotar o seu consumo, com medidas bem-intencionadas mas equivocadas, como foi aquele programa criminoso com o catálogo das editoras e com a democracia da leitura, os livrinhos frankensteins do "Literatura em Minha Casa". Boas intenções pedagógicas que privilegiaram grandes grupos e cortaram o acesso às obras originais de grandes autores. Houve uma reação da maioria editorial e o Ministério da Educação se sensibilizou, quando era ministro Tarso Genro. Nem o esclarecido senador Cristovam Buarque se deu conta do problema, embora tenha recebido nossos representantes com a sua cortesia de praxe. Não interrompeu o programa, enganando-se com a sua aparência bem-intencionada. Mas era um crime lesa-catálogo. Além de vedar o acesso dos leitores pobres aos livros de verdade. Uma boa intenção gerando exclusão social às caprichadas edições de catálogo, com suas ilustrações originais. Tanto é que ilustradores, editores, designers, tradutores se mobilizaram contra esse equívoco meramente pedagógico desfigurador de obras originais, anticultural e antieducacional, porque cultura e educação são indissociáveis. Criou-se uma gingana tão perversa entre os editores que queriam levar a melhor fatia nesse jogo, que livros de autores clássicos tiveram capítulos truncados para caber no formato e obedecer ao número de páginas receitado. Isto acabou. Fortalecer os catálogos de todas as editoras, grandes, médias e pequenas. Isto é o mote hoje. Que tenha continuidade.

A "Musa Ambulante", este projeto que quer criar pontos móveis de cultura e venda de livros, também pontos móveis de leitura, com contatos com autores e leituras comunitárias, bem como representações de esquetes ligadas ao livro (uma ex-jornalista que tem um grupo de teatro, a Erica Knap, criou um esquete "Louca por livros", que já representamos na porta da rua da Editora Musa e foi um fim de tarde memorável para convidados e passantes, queremos continuar), portanto, repito, "A Musa Ambulante: livros ao encontro do leitor" está pedindo um carro para a Fundação Volksvagem ou para a montadora que tiver sensibilidade para promover o consumo do livro no Brasil. Estamos ainda na era do pré-consumo do livro no Brasil. Aceito parceiros, além das montadoras. Fiat, Ford, GM, Mercedes, as francesas Renault e Peugeot, quem quiser dar apoio cultural, fazendo o papel histórico de ajudar o livro no Brasil a sair da era do pré-consumo à era do consumo. Olá, Chicolelis, que compareceu a um dos nossos eventos, lançando seu livro infantil "Pra fora, Rex", da parceira Editora Alis, de Belo Horizonte, gostaria que estivesse lendo o meu blog.

Infelizmente eu não tenho vocação para me envolver com leis de incentivo à cultura. Não sou esperta. Aprovar um projeto pode até ser fácil. Eu prefiro a sensiblidade dos mecenas voluntários, ou verbas direcionadas como tem o Ministério da Cultura da Espanha. Sem burocracia, fizemos duas traduções com o apoio cultural espanhol. Agora vou atrás dos franceses, porque tenho interesse pessoal em livros da França, é mesmo questão pessoal, pois fui educada no amor à cultura francesa, embora tenha interesse pela cultura de todos os países. Mas a França é uma questão de escola. Vem do colégio. Aprendi a França no colégio. Conheci grandes poetas franceses do século XIX no colégio. Éramos peraltas adolescentes e brincávamos de ser Madame tal poeta. Nem me lembrava disso, Madame Sully Prudhomme, Prêmio Nobel de 1901. "Ninguém me ama, ninguem me quer, ninguém me chama de Baudelaire" (Antonio Maria). Por isso sou contra ao estabelecimento de faixa etária nos livros para criança. Boa literatura, em qualquer linguagem, clara ou obscura, simples ou complexa, é aquela que dá prazer estético a todas as idades. Na Biografia de Nicolau Maquiavel, de Roberto Ridolfi, Tradução de Nelson Canabarro, publicada pela Musa e nos sites e prateleiras das boas livrarias do Brasil, há uma frase no capítulo sobre a infância do florentino: "Aos sete anos, Nicolau dava os clássicos."

Diante de todos os infortúnios, sabotagens aos melhores projetos, atentados à vida das editoras e seus editores, atentados à democratização dos bons livros, todos os atentados contra livrarias e livreiros e sua sobrevivência, grita o verso de Rimbaud: "Par délicatesse, j'ai perdu ma vie."

Tuesday, May 06, 2008

"Pedir um carro para a Volkswagen"

Todos os dias pequenas e grandes editoras recebem comoventes cartas de pessoas abnegadas que pedem livros para bibliotecas que fundaram em suas comunidades. Mesmo os funcionários de grandes empresas e universidades particulares fazem isso. Livro é para pedir, para dar, não é para ser comprado, julgam todos os consumidores de celulares de ponta, mesmo entre as chamadas classes C e D. Sempre por isso e por motivo mais nobre (o relacionar-se com livros) criei a frase: "Comprar livros, o consumo necessário". Leio no jornal que os publicitários estão voltando à sala de aula. Para se reciclar, não em qualquer sala de aula, mas nos centros universitários de excelência no mundo. Não basta mais a frivolidade e o estrelismo. Uma das justificativas é de que vivemos em uma sociedade pós-consumo. Todos temos tudo e trocamos produtos usados por novos em vez de comprá-los em primeira mão. Isto não vale para o ramo do livro nem para todos. O bom livro, este luxo eterno e insusbstituível, está na sociedade pré-consumo.

Fui a uma reunião promovida pela Liga Brasileira de Editoras -- Libre, a cada primeira segunda-feira do mês (esta caiu no dia 5 de maio), na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, e o palestrador da noite nos jogou algo que guardei sobremaneira: "Vocês precisam criar demandas". Como editoras independentes, em geral atuamos como editores de oferta. Fica o desafio muito interessante: Como criar demandas para as nossas ofertas? É paradoxal, um oxímoro, mas tem sentido.

Criei o projeto "A Musa Ambulante: Livros ao encontro do Leitor". Usei um doblô da Fiat para fazer o carro piloto. Está na Internet e todos podem ver em http://www.musaambulante.com.br/ Não vou descrever o projeto outra vez aqui. Basta ir ao Google e escrever Viva Leitura, estamos lá.

Aqui chego à mendicância de livros, quando a obrigação é "comprar livros, o consumo necessário". Uma colega bem-humorada sugere responder: " Por que você não vai pedir um carro para a Volkswagen?"

Ela me deu uma idéia. Se a Fundação Volkswagen está patrocinando sérias promoções culturais, como o Corredor Literário da Paulista, evento que deu espaço para a Musa Ambulante, com toda honra ficar exposta no vão livre do Masp, na Avenida Paulista, já estivemos estacionados até na Globosat, no pátio da Avenida Brasil, numa promoção para funcionários, em Mauá e no interior de Minas, em São Bento do Sapucaí, na Praça da Cultura, onde a Secretária Municipal de Turismo e Cultura acolheu com sensibilidade o projeto, o Estadão fotografou e publicou a foto do carro no Caderno 2 (espaço nobre) para cobrir uma promoção para as crianças na calçada da Rua Cardoso de Almeida, num sábado em que o jornalista Chicolelis lançou para as crianças o livro da Alis Editora "Pra fora, Rex!", a revista Nova Escola de abril colocou o projeto também com a foto do carro em sua página de indicação de livros, por que não? A Musa Ambulante está pedindo um carro para a Volkswagen, para operacionalizar o projeto de leitura, capaz de valorizar qualquer imagem. Pode ser qualquer montadora. Mesmo a Fiat, que recebeu publicidade de graça e sequer nos notou. Existe a Casa Fiat. Atemorizam-me leis burocráticas de incentivo à Cultura e não tenho nenhuma energia para sair de pires na mão. Conheço escritórios que trabalham, tive um projeto aprovado, que ainda não desisti dele, mas não tenho energia para enfrentar a insenbilidade do marketing empresarial para a inovação.

Vejam vocês, é sério: "A Musa Ambulante está pedindo um carro para a Volkswagen", seguindo a boa idéia resposta sugerida por uma dama do livro para responder aos pedintes contumazes e eventuais (gostaria de publicar o nome dela, que tem grande capacidade de trabalho e faz lindos livros para crianças, Ione Meloni Nassar, da Mercuryo Jovem), que acredita no projeto. Mas o projeto precisa se operacionalizar e ele não se restringe a vender livros. Ele estimula a freqüência às livrarias e bibliotecas e a formação de bibliotecas domésticas e comunitárias. Levar o livro à sociedade de consumo. Tirá-lo do pré-consumo. Ir além de nosso pequeno mundo da alienação esclarecida. Todos precisam ler e bem, ler bons livros. Como criar demandas além da auto-ajuda simplesmente? Provar literatura, a verdadeira ajuda, geradora de conhecimento além das informações ralas. Pisar fundo no acelerador de um carro cheio de livros ao encontro do leitor, em pontos móveis de cultura.

Thursday, May 01, 2008

O LIVRO É O LUXO

Esta é uma frase já criada. O livro é o luxo. Apesar da amada blogosfera, das apostilas impostoras plagiadoras, das apostilas prévias, de todos os manuscritos e falas, todos querem virar livro. Este objeto eterno, material, palpável, transportável, que dorme conosco, que vive conosco, que repousa conosco em silenciosas estantes.

Eu sei escrever e sei fazer livros. Livros que os outros me trazem e me surpreendem. Não pensem que editar livros é só alegria. Pode virar horror. O editor independente, como eu, para se tornar verdadeiramente independente precisa de tempo. Temos que fazer coisas muito além do curto prazo. Isto não combina com a ansiedade de muitos autores. Com essas premências curriculares e com a simples vaidade. Muitos acabam destratando o editor, batendo panelas, falando qualquer coisa em destemperos de irracionalidade. Não dá para partilhar com ninguém as suas dificuldades de editor independente, o seu projeto de longo prazo, de construir algo sólido, pois todos se comportam como crianças mimadas e malcriadas quando querem porque querem o livro para o evento, mas o tempo necessário seria nosso melhor aliado. Muitas vezes a gente releva, mas eu vejo que, para que possamos nos tornar realmente independentes, temos de deixar que os ratos deixem os nossos navios e que restem os que comungam conosco um projeto editorial consistente e ético, sem flagelações mútuas, na saúde e na doença, na alegria e na adversidade.

O LIVRO É O LUXO e muitas vezes vira objeto de disputa. Mas o Livro é o Luxo sobretudo pela realização que encerra, pois é culminância de um projeto em vida eterna. Ele poderá também andar pela rede como livro, terá um corpo material e alma imortal que circula o seu título, um livro no catálogo do Google, por exemplo. Mas ele pode ser encontrado em uma livraria. Livrarias Cultura, Saraiva, Nobel, Travessa, da Vila, Fnac (esta Fnac baniu os livros da Musa de suas estantes porque o comprador dos pequenos editores, Adão Paz, implicou com o que eu disse sobre sortimento de títulos, já comentei o assunto e repetirei, para que a direção da Fnac tome conhecimento disso, eu não dou esse poder predatório aos meus funcionários em nossa Editora Musa) e todas as livrarias independentes do Brasil, como a sempre belíssima Leonardo da Vinci no Rio de Janeiro, onde luta a dinâmica e esclarecida Milena. Sou grata a ela por prestigiar tanto a Musa, sobretudo quando vamos ao Rio por ocasião da Primavera dos Livros.

Falando em sortimento de títulos, no meu bairro, ouvi de gerente de loja de rede nacional e de referência a novos pontos de venda que se pautam pelo óbvio existente que as pessoas estão cansadas de encontrar os mesmos poucos e escancarados títulos em destaque. São leitores que querem mais, querem ir ao fundo dos catálogos, ver o que há mais de novo, de eterno, puxando a sardinha para os meus pares, o que é que os editores independentes estão fazendo. É por isso que fazemos tanto sucesso em feiras. Parabéns ao público leitor do meu bairro das Perdizes, em São Paulo. Uma gerente de livraria do Centro, ontem me falou desse bom fenômeno: o leitor pede além do óbvio em repetitivo destaque.

Para os que se espantam, eu não tento agradar. Sou meio houseana, de "House", a série da Universal da TV paga, que vejo todos os dias. Pois adoro as irreverências inteligentes, bem fundamentadas do personagem de Hugh Laurie, tenha ele razão ou não tenha razão. Como editora, sou "House", no sentido das indiocincrasias do personagem que adoro, o médico House, e no sentido maior de que sou Casa. Uma Casa Editora. Casa de Livros, o que deveria ser todas as casas, com suas bibliotecas domésticas, originadas da boa freqüência às livrarias, uma obrigação social. Vou repetir a frase do post anterior: "Livros, o consumo necessário." Um bordão para não cair na rua. Um bordão para não levar um tombo na via. Mas um bordão para se ostentar nas ruas e nessa amada blogosfera.

Comentem sobre a frase de hoje, sobretudo os livreiros e amigos do livro.