Tuesday, August 28, 2007

Sangue no prato

Hoje, posto um poema que publiquei em breviario.org, escrito em 2001, após ler uma notícia de jornal sobre pais que surraram bebês até a morte. Maus-tratos contra crianças. Maus-tratos em geral. Não importa o tema, importa o poema, que pode assumir as dores do mundo na sua forma sobre a página. Sem mais comentários. Aguardo os do leitores.


Sangue no prato


Esticar a corda, enforcados em toda parte Saímos
com nossos vestidos Tomamos banho
Porque a mulher resiste aos carrascos Seios
para amamentar os filhos Ameaçam cortá-los

Ocupada em desatar as cordas Amarrados
todos à nossa impossibilidade de comprarmos
pão para a visita Sangue na sala Armas

Pedágios obstruem a viagem Quero o poema
mais curvo Traduzindo um corpo
anelado por serpentes Desvencilhar-se
do medo que todos temos Culminante a fragilidade

de uma criança nascida entre escombros
que brinca Em casa trabalha Sem mimos
Sofre o amor rude e o insulto de nós todos

Eu que cantava beijos
Falo de sangue Na soleira
em toda porta Ameaçam-nos matar
Tirar nosso trabalho Sabotar o milho

Quero colher o sol, o céu
as pitangas e os botões se abrirão
flores no jardim ante janelas abertas
(2001)

Monday, August 27, 2007

"O vulgo não tem critério" Eletropaulo e empresas acólitas

Esta frase parece preconceituosa. É atribuída a Maquiavel. "O vulgo não tem critério." Há um amigo que a repetia com impaciência diante dos cotidianos disparates provocados por aqueles que agem por meio de pressão, nunca mediante reflexão.

Conheço um funcionário, cuja mãe cuida de seu filho com deficiência grave. Um garoto simpático que precisa de assistência e carinho constantes. A mãe-avó era uma grande costureira. É. Precisou desligar as máquinas para cuidar do neto, acompanhá-lo à escola, assumir a sua educação com estímulos vários. A conta de luz baixou bastante, com o desligamento das máquinas de costura. E o que fez a Eletropaulo: desconfiou de fraude. E uma dessas empresas, que atira antes de perguntar, fez a abordagem, cortou a luz. Da casa onde há uma criança carente de cuidados especiais. Entre outros casos de abordagens desastradas e apressadas, sem dar o tempo de defesa, porque quanto mais cortes, mais faturamento para as acólitas (pelo desligamento sumário) e para a Eletropaulo (pelo religamento demorado, com tempo aproximado).

Ao cortar cada conta de luz, cortam antes que o cliente prove que pagou. Chegam esses uniformizados contratados por essas empresas acólitas, melhor dizer empresas-urubus, não perguntam, cortam. Eles ganham para cortar, sem nenhum critério. E a Eletropaulo cobra pela religação. Este é o rito tsunâmico, elegem um bairro e lá vão as duplas irracionais.

Fiquei olhando as pessoas vitimadas e tive vontade de chorar. Saem esses truculentos "paramilitares" pelos bairros em mutirão como vândalos para que essas empresas contratadas pela Eletropaulo faturem a rodo, como biscas ruins. A vida de mão única. A imposição pura e simples. Não estou pregando o calote pelas pessoas, mas que cheguem, esperem, perguntem. O rito sumário tomou conta da vida cotidiana. Tudo é desculpa para confiscar.

A tropa-de-choque sem cérebro invade os bairros, desafiam as velhinhas, pisoteiam a grama e a alma das pessoas. Nem todos somos bandidos. Aqui estou com a minha luz acesa e o meu computador, e posso me indignar contra esse tipo de empresa, contra as assessorias de cobrança que oprimem e ameaçam os que não podem se defender. "O vulgo não tem critério". Há nobres e ignóbeis em todas as classes sociais. Poderia ser um trabalho limpo. Por que a Eletropaulo contrata empresas com gosto por um trabalho sujo contra as pessoas da cidade? Os cidadãos maltratados em todos os níveis. Para mim o mundo não é dos espertos, como essas empresas acólitas da Eletropaulo e assemelhados que lançam nas ruas esses coitados com cérebros lavados para barbarizar os cidadãos, sobretudo os mais frágeis. "O vulgo não tem critério" não se aplica aos pobres, mas aos espertalhões e sua vulgaridade hostil à comunidade, tratando a todos como malfeitores, mas a maioria são cidadãos de bem e merecem respeito. Muitos são impedidos de pagar as suas contas pelo jogo sujo, "normas" malandras.

Friday, August 24, 2007

O rito da ameaça

Antes de iniciar o post, preciso colocar uma epígrafe, que é um verso de Fernando Lemos, poeta, advogado, fazendeiro, residente em Três Corações, Minas Gerais, cidade de amigos queridos como Zélia Chediak, Brás Chediak, Paulo Chediak. Surpreendeu-me a qualidade da sua poesia, uma figura de ouro.
"A traição da falsa luz" (Fernando Lemos)
Um verso que eu gostaria de ter escrito. Sintetiza experiências desagradáveis, como deslealdades de pessoas que de um modo ou de outro prestigiamos. Dissimuladas traições a nossa confiança. Ações mesquinhas de invejosos. O pecado de vermos oásis onde é só deserto. Nossas pérolas atiradas aos porcos. Porque acreditamos no interlocutor errado ou perdemos nossa cautela por ilusões fáceis. Aparências enganam, truismo verdadeiro. Mas meu post, hoje, é falar do rito da ameaça.
O rito da ameaça. Eu ia dar outro título: A cultura da ameaça. Mas como profanar a palavra cultura, cujo sentido maior está ligado ao ato civilizatório, à fruição artística e a toda carga agregatória que nos leva à comunhão em horas gratuitas, longe da degradação em curso? Cultura não pode ser sinônimo de barbárie. Não é o que produzem os "obradores de iniqüidade".
Em benefício de poucos (bancos, seguradoras, imobiliárias, companhias telefônicas, receita, concessionárias de rodovias, todo o poder econômico em aparato bárbaro), segundo meu amigo, professor da USP, tudo é "aprimorado" contra o cidadão.
Por causa do comportamento de alguns bandidos, somos tratados todos como bandidos. Impõe-se-nos aceitar acordos ou propostas ilegais, em função da pressa. Porque a extorsão vem a galope, mas o ressarcimento deve passar pelo crivo do crivo da burocracia.
Todos os ritos condenatórios se tornaram sumários. Porque existe uma licença pré-judicial para a ação banditícia contra a cidadania. Entre nós nos ameaçamos, esquecemos de ser civilizados, de negociar, de ouvir as partes. Há uma algazarra desrespeitosa. Nós precisamos é de cônsules, pró-cônsules, como tinham os gregos, hoje precisamos do Poder Judiciário com Justiça, não de parajulgadores ou assemelhados, como existiram os paramilitares. No tempo da ditadura política as pessoas caíam na clandestinidade. No tempo da ditadura econômica será que também nós, as pessoas de boa-fé, precisaremos buscar a vida na clandestinidade, para que a força bruta da Economia selvagem não nos tire a vida com todas as formas de confisco? Aliás, a vida digna ela já nos tirou. É a amiga dizendo, mulher de classe média com seu emprego, "levo uma vida mesquinha administrando meu salário em rumo de miséria". A miséria da classe média, indefesa e perseguida por procedimentos iníquos. Não há defesa. Soltaram todos os demônios. Vamos viajar pelas nuvens, como os impuros do Mistério-Bufo de Maiakóvski, rumo à Terra Prometida, depois de uma visita ao Inferno, que era melhor que o inferno no país deles e melhor que este inferno em nossa terra. Eles riram dos diabinhos, que não sabiam o que é a vida numa fábrica ou numa empresa brasileira, numa casa brasileira sobretudo da classe média urbana.
Não há defesa possível. Todos acenam ou respondem com ameaças. Perdeu-se o rito da diplomacia, substituído pela brutalidade. Mesmo entre os pares, nós, as pessoas cultas, até em nosso mundo editorial e nas universidades. Mesmo os que temos consciência, combatemos os maus modos e a truculência, agimos da mesma forma. Nosso presidente foi um negociador. É preciso ensinar o país a negociar.

Sunday, August 12, 2007

Maiakóvski no Teatro Studio 184 Leitura Dramática

Onde está Dmitri Beliaev? O tradutor de Mistério-Bufo, a divina comédia de Maiakóvski, que terá leitura dramática, nesta segunda-feira, 13 de agosto de 2007, no Teatro Studio 184, Praça Roosevelt 184, telefone 3259-6940. Viabilizado pelo Programa de Fomento ao Teatro, para o Círculo de Leituras, "Páginas da Revolução", que mostra textos importantes escritos por aqueles que que desejaram mudar o mundo em toda parte do mundo, continuam mudando em termos de posteridade, com sua forma revolucionária fazendo arte revolucionária.

A Musa editou festejante o Mistério-Bufo, em tradução competente do físico-poeta russo Dmitri Beliaev (a quem estamos procurando para essa leitura e dele não sabemos notícias, se viajou para o exterior, que ele saiba que o estamos chamando), pela primeira vez no Brasil, versão de 1918. É o teatro "profético-utópico" de Maiakóvski, sua divina comédia, Inferno, Paraíso, Terra Prometida. "Num novo Inferno não vamos parar?" Que os "homens de teatro encenem, os leitores leiam, os estudiosos estudem.

Misterija-Buff : " Mistério é que a revolução tem de grande, Bufo é o que ela tem de cômico", discursou o poeta ao apresentar a peça na Casa do Povo de Petrogrado. Em 1918 ele tinha 25 anos. Permanece o poeta jovem, o texto ainda jovem no seu frescor de atualidade na forma revolucionária e no conteúdo alegórico ao nosso tempo. Em que o diabo ao ouvir a narrativa dos Impuros quando estavam no Inferno, espantaram-se, concluindo que o próprio inferno parecia bem melhor do que o que ouvia sobre a vida degradada na Terra. Leitura para hoje, Maiakóvski.

Para um -- a rosca, para os outros -- o buraco dela
A república "democrática" é por aí que se revela.

Venham ao Teatro Studio 184, nesta segunda-feira, 13 de agosto de 2007.

Tuesday, August 07, 2007

A miséria da classe média

Ler jornal para mim é rezar. É também rezar. Dia 6 de agosto, de manhã, leio que o lucro do Bradesco é astronômico. Os bancos estão lucrando como nunca. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estão lucrando como nunca. O Banco do Brasil, por exemplo, está elevando suas tarifas a níveis exorbitantes, muito além da inflação, pelo simples capricho do lucro fácil, porque os percentuais de aumento são irreais, danosos para o cliente que precisa cobrar suas duplicatas. "Banqueiros" oficiais aperfeiçoam-se na rapina geral, criando mecanismos que tolhem toda negociação e espoliam a classe média, de forma a impedi-la de pagar suas dívidas. Apocalipse da classe média no Brasil, é o horror, o horror, Marlon Brando somos todos no filme antológico de Coppola baseado em "O coração das trevas", de Joseph Conrad. Dois exemplos: Hoje abro o site da Livraria Cultura e vejo o que nunca vi: "Todo o site em cinco vezes sem juros", frete grátis. Abrimos a porta do Espaço Musa, onde expomos livros de algumas Editoras da Libre e da Musa. Poucos entram, uma só pessoa compra.
No começo não era assim. Poucos usam o cartão de crédito. Muitos que usavam, estão evitando usar. Tudo virou armadilha, por mais que as pessoas se previnam. Neste bairro das Perdizes, de classe média média e classe média alta, as pessoas estão deixando de consumir o consumo necessário, não somente livros, compram menos no supermercado, poucas sacolas por vez. Os passantes conhecidos subindo a rua com pequenas sacolas, poucas compras.

Não é que as classes médias tenham perdido as necessidades. Estão acuadas pela política econômica que privilegia a espoliação geral. Pobres empresários, pobres livreiros, pobres nós todos, pobres trabalhadores do livro, pobres clientes que não podem satisfazer o seu desejo de levar para casa a boa companhia de um livro. Livros são boa companhia.
Quem está nos roubando isto e muito mais? A indecência geral dessa política econômica que persiste governo após governo. Vivemos sob normas ilegais, mesmo leis ilegais, viola-se a lei com a própria lei, a nossa miséria de classe média espoliada. Quando haverá olhos de justiça? Quando começaremos a gritar na rua? Não somente isso, agir com coragem e denunciar mediante todos os meios. Eu tenho o meu blog para dizer que não estou cansada, mas indignada de saber que aquelas pessoas que gostariam de usar seu cartão de crédito para comprar um livro na minha rua, não o fazem mais, pois têm medo. Estou tão indignada que do medo sou capaz de me levantar e enfrentar o dia deste tempo em que o sol se tornou escuro. "Minhas noites são manhãs", longe da máquina do dia. O dia-a-dia de uma guerra, como bem falou Hemingway em "Paris é uma festa". Ainda acho que fazer livro é uma festa. Deveria ser uma festa para todos, comprar livros ser uma festa para todos.

Saturday, August 04, 2007

Comprar livros, o consumo necessário

Wilton Chaves fez um comentário ao meu post anterior "Pedir livros, comprar livros" e tocou no ponto crucial. O livro é o último item na escala do consumo. É colocado como gênero de última necessidade, prossigo, apesar de ser "o objeto perfeito", como disse o escritor Guillermo Arriaga, visitante da Flip, em entrevista ao Roda Viva da TV Cultura.

Existe uma economia do livro. Existem os trabalhadores do livro. Ninguém se dá conta, e todos os dias as caixas postais das editoras são invadidas por ofícios on-lines pedindo, pedindo livros. Um conselho a todos esses heróis comunitários que fundam bibliotecas em Ongs, empresas, assentamentos: peçam dinheiro a empresas da comunidade a a pessoas físicas locais e com os recursos arrecadados comprem livros dos livreiros da área ou encomendem às editoras, quando não houver livreiros na região. Livros são para ser comprados, como quaisquer quinquilharias, como bonés, bottons, chaveirinhos vagabundos, fitinhas, camisetas caríssimas, etc. etc., adesão a almoços e churrascos, que essas quinquilharias são muito mais caras e ninguém reclama de comprá-las, pagam caro por elas e acham natural. Portanto, comprar livros é uma necessidade básica pessoal e, além disso, uma responsabilidade para com os trabalhadores do livro. Eles existem, tanto quanto os demais trabalhadores.

Acabo de lançar, "Retorno à terra", de Simone Barbanti, edição apoiada pela Fapesp,um livro sobre assentamentos de trabalhadosres sem-terra, com seus depoimentos e histórias, algo que vai além da simples posse de um pedaço de solo, mas que entra na alma do agricultor que um dia foi expulso de sua casa, seu sítio e lavoura, e ganhou nova vida voltando ao campo de sua alma. Todos s dias nos roubam a alma, a gente tem de compreender o que é para muitos o "Retorno à terra", sem sentimentalismos baratos ou complacências desnecessárias. Alguém do MST mandou carta pedindo livros. Eu ofereci um lançamento de livros, com preços adequados. Uma celebração ao livro, muito além das quinquilharias que todos consomem. Ainda dou um percentual para o assentamento que promover o lançamento do "Retorno à terra", da Simone Barbanti.

COMPRAR LIVROS, O CONSUMO NECESSÁRIO.