Sunday, May 27, 2007

Os inimigos do livro e a injustiça da Justiça

Os inimigos do livro são os "amigos" do livro. Eles nos desprezam, muitos cometem versos e publicam livros de poemas, abrem centros culturais com renúncia fiscal, bancos oficiais com salas de cultura e todo o aparato elegante e burocrático, todo o burocratismo judicial que nos ignora, põem o manto da Cultura e nos ignoram, são nossos lobos com a pele do cordeiro da Cultura. Não adianta argumentar. Se chegamos com nosso ofício, se chegamos com nossos livros, ninguém vai nos ouvir, nem vão folhear as páginas de "O Elefante Infante", do Rudyard Kipling, tradução do Adriano Messias, ilustrações do Fernando Vilela; nem olharão para o requintado projeto gráfico da Raquel Matsushita para o livro infantil do poeta Donizete Galvão, com ilustrações da Mariana Massarani, "O Sapo Apaixonado", que a Musa Editora irá lançar no dia 2 de junho na Casa das Rosas. Todos estão convidados a comparecer, das 11 às 16 horas, nesse lugar acolhedor mantido aberto a todos pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

Mas voltemos aos inimigos do livro, os que impedem livrarias de continuar existindo, pequenos editores de prosperar com bons livros, são cegos para toda atividade editorial, mesmo a das grandes editoras. O banco não olhará para você, o juiz não olhará para você, somos qualquer coisa para a caixa cultural, não somos ninguém. Quem se comoverá com o ideal massacrado do livreiro que foi obrigado a fechar sua livraria? Quem se lembrará da belíssima Livraria Duas Cidades, cinqüentenária, recentemente fechada, antes que o esperançoso projeto da revitalização do Centro se concretizasse? Se alguém tivesse investido e impedido? Uma dessas caixas, por que não? Enquanto discutimos cadastros, nós mesmos em nosso grupo de discussão na Internet, deste ou daquele livreiro, por que não buscarmos o motivo do fechamento de livrarias no País? Há algo mais por trás dessa indiferença desinformada, há a necessidade urgente de se implementar uma política eficaz para o livro e a leitura no Brasil, em que a cadeia do livro tenha os recursos de longo prazo necessários à produção, distribuição e divulgação do bom livro. O que se vê é destruição, punição pelas boas ações. São todos burocratas desinformados e derramam a maldade como cumprimento do dever. Incendeiam plantações. Boicotam o trabalho. Mesmo assim florescem nossos projetos, flores nascem da náusea, de pedras jorram leite.

Hoje em uma resenha no Estadão, escrita por Ubiratan Brasil pela publicação do livro de poemas de Elisa Nazarian, "Feito eu", está citado o verso: ..."Senti muita raiva por ter largado tanta munição / em terreno contrário". E no posfácio de Diego Barreto Ivo para "O Elefante Infante" também está escrito: "Se fizermos um paralelo com nosso mundo, o Elefantinho é como alguém que se sente fora dele, todos querem bater-lhe, castigá-lo pelas boas ações." Nossas boas ações, nossas ponderações, nossas reivindicações, nossas alegações, nossa própria atividade, nossas edições, nossas participações em projetos culturais e educacionais de relevância social viraram alvo de descaso, caíram como insulto, são as munições que largamos em terreno contrário. Cessem suas salas de Cultura, suas exposições, cessem tudo, ó inimigos do livro.

Assim estão nos castigando, aos editores e livreiros, será que um juiz entenderá isso? Sairá da tecnicidade para o contexto? Pegará a letra da lei e irá inflá-la com seu espírito? Mas não somos ninguém, só entre nós, com meu outro ninguém, formamos um par, como no poema de Emily Dickinson. Fechem tudo, fechem suas salas de cultura, ó CAIXA, ó BB, ó quaisquer "bem-intencionados" lobos que vestem nossas capas e não nos conhecem, não têm idéia do que fazemos e do que somos, nem do que precisamos, fechem seus sacos de maldade e não sabotem nossos projetos, que vingam, a despeito de tudo, "livros livros a mancheias, e manda o povo pensar".

Ao Elefante Infante, "o crocodilo não decepou-lhe a cabeça, como Shiva fez com Ganesha, mas Ganesha revive sendo um deus com cabeça de elefante".

Monday, May 21, 2007

Cultura na Livraria Cultura

Hoje a Livraria Cultura nos convida para a abertura de sua esplêndida loja que se alastra no Conjunto Nacional, para o bem de todos, para o bem da cidade, para o bem da nação. Superei até a síndrome da segunda-feira para festejar. E verdadeiramente parabenizar seu livreiro e livreiros, que são seus funcionários.

Nada como uma Livraria Cultura. Um cinema foi salvo pela Livraria Cultura. Filmes dando lugar a livros. Uma igreja evangélica não profanará o espaço que Deus reservou aos filmes. Mas muitos livros homenagearão os filmes passados e futuros. Livros que se transformaram em filmes. Ou que ainda se transformarão. Leituras prediletas de diretores. E um modesto livro do catálogo da Musa (tenho de fazer propaganda, por que não?, se fazemos parte do acervo dessa livraria em que o bom livro sempre foi personagem principal, mesmo quando outras redes (a quase vizinha grande rede da Paulista) baniram os bons livros e os pequenos editores de suas lojas, "Ir ao cinema, um olhar sobre filmes" de Humberto Pereira da Silva, colaborador da "Revista de Cinema" e de outros sítios sobre filmes, é um dos livros da Musa nas prateleiras da Cultura. Vamos freqüentá-la cada vez sempre.

Cabe aqui um agradecimento: a Livraria Cultura nos prestigia a todos, os pequenos editores estamos lá, no seu site amplo e claro. Ela aposta na diversidade e na inteligência do leitor. É o exemplo que prospera, acreditando na universalidade dos bons livros. Jamais argumenta pela redução dos títulos com a falácia do este livro não é vendável, a durabilidade de um título é de 40 dias, se não despertou interesse do leitor. O bom livro pode ser descoberto na prateleira pelo leitor muito tempo depois do seu lançamento. Um bom livro é feito para crescer e viver conosco, até em termos de posteridade. Isto é a Livraria Cultura, livros a mancheias e o sortimento de títulos à espera dos bons leitores e atração para os novos. A Livraria Cultura compra livros dos pequenos editores. Um dos segredos da sua expansão. Obrigada.

Sunday, May 20, 2007

Sou poeta,sim.

Estava diante da minha gerente em um banco público (Caixa Econômica Federal), em companhia da minha jovem e juvenilíssima advogada. Eu bem argumentava para nada (bons argumentos não me trouxeram soluções, mas de cada vez uma ação punitiva, um tiro nas costas), ou melhor, "atirava pérolas aos porcos". Um mau costume do qual preciso me corrigir, precisamos nos corrigir. (Parênteses: abri a minha escrivaninha para uma cobra. Tive um sonho, foi um pesadelo: "havia uma cobra na escrivaninha". Acordei apavorada, não quero mais ser supersticiosa. Mas a intuição medonha foi mais persistente e eis outra "erupção do inferno" explodindo daquela autora, o tipo para o qual jamais devemos abrir o nosso catálogo, nem mesmo acolher com gentileza, o tipo para o qual devemos rezar a Deus para nos dar a intuição de dispensar no primeiro encontro.) Estava pois argumentando, aliás me prevenindo diante da gerente, para que a inteligência negocial prevalecesse, e eu pudesse tocar os meus projetos sem as ameaças costumeiras. Eis que minha advogada me interrompe, fagueira: "Mas a Ana Cândida é uma poeta." Na hora, reagi, que poeta nada, sou mulher de negócios. Na verdade, diante de respostas predatórias, no falar e sobretudo no agir, de deslealdades e mentiras, tenho de afirmar: "Sou poeta, sim." A poesia é o único meio de você transfigurar o horror mesmo para aqueles que nunca lerão ou entenderão seu poema.